Capítulo 10 - Quebrando Correntes

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"Friday night is goin' up inside her... again

Well crack the whip

'cause that bitch is just insane

I'm serious"

(Pretty Tied Up, Gun's 'n Roses)

— E então, Jackie, o que decidiu para Pam?

Jackie não estava acreditando na reviravolta que sua vida tomou. Há cerca de um ano atrás ela era estava sendo promovida à detetive do Departamento de Polícia de Rat's Bay. E agora, estava decidindo sobre a vida de outras pessoas após vencer um Duelo de Honra proposto pela filha da líder das Nightmares. "Jackie"... Ainda estranhava ouvir seu nome verdadeiro após tudo o que sofrera nas mãos de Júlio, sendo obrigada a esquecê-lo por completo, até seu som.

Seus cortes no ombro e no ventre sofridos por Pam ainda ardiam muito, mesmo com os curativos feitos por Vika logo que o duelo terminou. Abraçou sobre a atadura abdominal, olhou uma vez mais para a menina, a quem derrotara sem derramar uma gota de sangue, e voltou-se à líder.

— Normalmente, qual seria a pena para o que ela fez?

Polly estava visivelmente contrariada. Era óbvio que ela não desejava aplicar as leis da tribo à sua filha, sua única filha, fruto do único homem que ela já amou na vida. No entanto, ela era a líder, e aprendera muito tempo atrás com sua mãe, a separar suas obrigações de suas emoções.

— Veja bem, Jackie. Nós estamos vivas e livres, e podemos manter nosso modo de vida, apenas por confiarmos totalmente em nossas irmãs. Confiar nossas VIDAS a nossas irmãs. — Respirou fundo, buscando forças em seu interior para prosseguir. — Isso que Pam fez, uma vez que as outras duas confirmaram a versão de vocês, foi um dos piores crimes existentes, pois ela quebrou a confiança que a tribo depositava nela. A punição deste crime é o banimento permanente, no qual não deveremos sequer falar seu nome. Para todos efeitos, seria como se ela não existisse.

— Entendo... — Jackie arregalara os olhos da dureza da punição e do esforço que a líder fazia para dizê-lo. Intercalava a visão dela para sua filha e ambas estavam com a mesma expressão, sendo a menina com um misto de pânico e pranto contido. Fechou os olhos por um instante, se concentrando para ignorar a dor. Quando abriu, estava mais tranquila e decidida. — Creio que todas aqui concordamos que Pam é importante demais para a tribo para ser banida. Sim, ela traiu a confiança de todas, mas ela é a melhor guerreira que eu conheço. Seria possível que ela perdesse o status de guerreira, voltasse a ser tratada como criança? Assim ela reaprenderia os preceitos mais básicos da tribo e, talvez, o caminho dela mude.

— Compreendo o que quer dizer, — respondeu a líder após alguns segundos de silêncio. Estava com um sorriso de alívio no rosto. — Algum dia, você será uma ótima conselheira. — E, voltando-se para sua filha, prosseguiu. — De hoje em diante, Pam, você não terá mais voz neste conselho ou em assembleias, e, para todos os efeitos, será tratada como uma criança que ainda não passou da Primeira Lua.

A menina arregalou os olhos em desespero. Ela perderia tudo o que conquistou até agora. Perderia seu prestígio de terceira em comando.

— Mãe! Isso é ridículo! Quem é essa vaga...

— Quieta, criança! É isso ou o banimento. E por melhor que você seja, filha, duvido muito que você sobreviva mais que algumas noites lá fora.

— Mas... Quem ela pensa que é para decidir isso?! Isso deve ser decidido pelas líderes!

— Ela, criança, é quem te venceu em um Duelo de Honra desafiado por você. Você conhece as tradições, nossas leis. Está decidido! — Voltou-se para as demais. — Irmãs! Esta assembleia está encerrada. — Mesmo que muitas das garotas já tivessem deixado o lugar para seus quartos e afazeres, Polly prosseguiu. — Vocês podem descansar ou voltar para suas posições.

Virou-se para Daphne e falou em voz baixa, à medida que a tribo voltava a seus afazeres. Jackie sentia-se mais leve, e voltaria para seu quarto com Jade.

— Precisamos decidir quem ocupará o lugar de Pam, Daph. Eu tenho um nome em mente, e penso que deva ser o mesmo que você pensou.

A segunda em comando sorriu. — Muito possivelmente.

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Jackie voltara para seu quarto, o braço enfaixado sendo apoiado por Jade. Ela sentia seus cortes doloridos, ainda que as bandagens estivessem causando um efeito anestésico. Além disso, sentia cada músculo de seu corpo dolorido, efeito da tensão que sentira até pouco tempo atrás durante o duelo, somados às drogas que fora obrigada a usar quando esteve aprisionada no antigo covil de Axel. Ela sabia que precisava relaxar, e praticamente sentia o gosto dos medicamentos que escondera em seu quarto.

Tão logo entraram e trancaram a porta, pegou sob as cobertas o saco de veludo azul e preparou uma dose com o formato de um rosto feliz.

— Você recuperou seu nome... — Jade tentava puxar o assunto em voz baixa, quase como um apelo, enquanto via Jackie pegar o objeto em formato de charuto e escolher a droga dentro do saco. — Parabéns... Eu acho... Você sempre se sentiu incomodada mesmo, né?

— Hm-Hm. — resmungou a policial no exato momento em que segurava o comprimido amarelo. — Até que enfim! Desde que cheguei esperava por isso! Você quer uma? — Perguntou já colocando o objeto nos lábios.

— Não, obrigada...

Jade soou um tanto desapontada e abandonada, o que fez com que a policial parasse e voltasse para ela.

— O que houve, Jade? Eu venci! Por um momento achei que estava tudo perdido, então eu te vi e escutei algo que Hereena falou. Aí me dei conta de como vencê-la. Foi fácil. — Voltou a colocar o inalador nos lábios. — Tem certeza que não quer?

— Estou bem... É que...

— É que?

— Bem... É que por que não ser simplesmente Marine? O que essa Jackie Aeon trouxe de bom para você?

— O que trouxe de bom para mim? — Jackie estava começando a se irritar com o rumo da conversa. — E o que ser a Marine trouxe? Eu fui drogada, estuprada e torturada por tantas vezes que nem lembro como é ser diferente! Me tiraram meu nome, minha personalidade, minha liberdade. Tudo isso sendo Marine. Agora me diga, o que ser uma escrava me trouxe de bom? Nada!

Quase gritou as últimas palavras. Quando terminou, sentia que estava com lágrimas nos olhos. Jade estava encolhida no canto da cama, o rosto também escondido. Jackie pensou em confortá-la, mas sabia que estava certa. Ela havia conseguido se livrar do peso que aquele nome representava. Sua companheira não tinha o direito de querer que ela o aceitasse de novo. Aspirou o medicamento com força e virou-se de lado na cama. Sentia-se trêmula de raiva, as mãos estavam fechadas com tanta força que sentia as unhas machucando a pele da palma. Pegou outra dose, levou aos lábios e aspirou-a até perder o fôlego. Alguns segundos depois a primeira dose começou a fazer efeito, e um vazio absoluto tomou conta de seu corpo e mente. Tudo havia desaparecido, as dores dos cortes no ombro e no ventre, a raiva que estava sentindo de Jade, a raiva que sentia de si própria por ter se metido nessa história toda sem ter como sair.

Crônicas de Rat's Bay - Jackie AeonOnde histórias criam vida. Descubra agora