A ocupante do quarto cuja porta marcava as iniciais J e A ainda estava trêmula na manhã seguinte. Havia despertado fazia pouco tempo, mas se sentia lânguida, sem firmeza nas pernas, faltava-lhe coragem de levantar. Decidiu virar de lado na cama e olhar para a parede decorada.
Uma lágrima teimosa e insistente rolou de seu olho direito, escorreu pelo nariz até o lençol. Jackie tentava não pensar, mas não havia meios de impedir. Ali mesmo, naquele quarto, há menos de doze horas atrás, o Conselheiro Dax, responsável pela segurança da cidade e, portanto, seu chefe - ou chefe de seu chefe - havia dito que não procuravam mais por ela, que a deram como uma "baixa do crime". Como se ela própria tivesse se entregue para o Júlio. Sentia-se como se o chão houvesse sido removido de seus pés, e lanças colocadas no lugar.
Por outro lado, havia a Madame. O mundo a conhecia como Conselheira Nikolaidis, mas, ali era seu reino, seu universo particular. Ali ela assumia seu real espírito. E Jackie estava descobrindo-o na prática. A policial não conseguia fixar um perfil de comportamento daquela mulher. Era diferente em tudo de Júlio, o único outro mestre que conhecera. Enquanto aquele parecia torturar, viciar e obrigar as escravas a ficarem com ele, esta mulher possuía uma certa... Doçura em agir. Como se tudo o que ela fazia possuísse um propósito, como se tudo o que ela fizesse levasse as pessoas a desejarem aquele lugar. E, quando Jackie achou que seria punida por ter transado com um funcionário, ela lhe dera prazer.
A policial se encolheu mais ainda na cama, cobrindo o rosto com o edredom e adormeceu. Acordou algum tempo depois, atravessada na cama, o cabelo no rosto.
Sabia apenas uma coisa: ela não servia para ser escrava. O tempo que passou com Júlio, o tempo que passou se recuperando com as Nightmares serviram para mostrar apenas isso, lhe dar essa certeza: ela não era uma escrava. Nunca seria. Nunca seria submetida contra sua vontade. Era uma caçadora, não uma presa.
Virou-se de barriga para cima, lembrando da noite anterior. Um arrepio de prazer lhe percorreu o corpo, e descansou a mão entre as pernas. Podia ser que Dax não estivesse procurando mais por ela. Podia ser que nem Vika e as outras, nem mesmo Brian, estivessem procurando por ela. Ainda assim, ela pegaria a jovem Cowen e sairia daquele lugar.
Lembrou-se, então, da festa.
Ela não sabia que festa era aquela, apenas podia supor que seria algo parecido como o que acontecia na casa de Júlio. Sendo assim, há qualquer momento Lucy viria procurá-la, para que se arrumasse e fosse se apresentar. Decidiu esperar um pouco. Os minutos passavam aos grupos e não havia quaisquer batidas a sua porta. Quando julgou que um bom bocado de grupos de minutos mais houvesse passado, Jackie desceu para a sala comunal. Estava vazia.
A sala comunal, para seu espanto, estava totalmente vazia. Nem os seguranças estavam em seus postos. A policial decidiu sentar-se por um tempo, pegou uma maçã em uma fruteira na mesa, e acomodou-se na poltrona. Era realmente perturbador, o brinquedo dos pets estava no lugar, mas seus donos haviam sumido. Teriam ido todos a festa? Se sim, por que ela não foi chamada?
Resolveu explorar. Seria um bom momento para isso que, talvez, não se repetisse. Checou as portas a esquerda da escada. Encontrou a entrada para a biblioteca, entrou, pegou uma bebida. Examinou o livro que estava sobre a mesinha: V. Nabokov, era seu autor. Já vira aquele filme, era um clássico. Sentou-se na poltrona onde dias antes a Madame estivera; imitou seus gestos. A lembrança do vergalho em seu ombro fez com que levasse a mão aquele lugar.
— Vaca. — Xingou com a borda do copo em seus lábios.
Depois de reabastecer-se com mais uísque, voltou para a sala comunal e testou a próxima porta. Para seu espanto, dava para uma sala de pisos negros. Procurou um interruptor e, ao aciona-lo, o choque da lembrança quase a fez soltar o copo. Fechou aquela porta. A seguinte era a cozinha e, alinhada com a escada, uma porta dupla. Examinou-a: estava destrancada, e, para sua surpresa, uma escadaria. Voltaria a ela logo, pois lembrou-se da garagem.
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Crônicas de Rat's Bay - Jackie Aeon
ActionCrônicas de Rat's Bay é uma distopia sombria e profunda, um mergulho ao que há de pior e mais podre no coração humano. Em uma cidade dominada pela corrupção, Jackie Aeon é uma jovem detetive. Sua missão, entretanto, não é fácil: ela precisa se infil...