Jackie sentia-se péssima naquela manhã. Pior do que jamais se sentira em todo esse tempo fora de casa. Toda e qualquer referência que ela tinha de normalidade fora retirada dela, arrancada contra sua vontade por cada minuto desde que ela aceitou o caso.
Tudo, desde aquela segunda-feira quando ela pegou um ônibus e desceu em frente ao Bandwith 7kbps, vestindo roupas simples, carregando apenas uma bolsa de viagem que carregava no ombro. Ela conseguiu o emprego de dançarina stripper; o book fotográfico falso que carregava e mostrou para o dono, ajudou. Desde esse dia, cada ação que ela se via obrigada a fazer para sobreviver naquele mundo, tornava-se uma pedra que ela carregava sobre os ombros. E ela estava cansada demais de carregar pedras.
Lara... sua amiga, confidente, porto seguro nos últimos meses, sua missão, sua... Mestra, apesar de ter tanto aprendido quanto ensinando-a... A garota vinha nos últimos dias insistindo, forçando-a a se lembrar de quem era, da policial que aceitara o caso difícil do resgate da filha do Alto Conselheiro; da guerreira Nightmare; àquela que vencera o Desafio de Honra com Pam, a filha da líder daquelas mulheres, sem dar um único soco ou acertar um único golpe de espada. Ela vinha insistindo que Jackie relembrasse sua essência, que conseguisse forças para fugir daquele lugar, pois, segundo a menina, a casa da Conselheira do Comércio não era lugar para uma policial.
Jackie virou-se de lado, sentiu o corpo de Lara contra o dela. Lembrou-se, por fim, de Rubi. Agora a entendia. Será que em algum momento, lá atrás, no passado, a escrava de cabelos de fogo de Júlio não tenha apenas desistido de tanta luta, de tanto esforço para se manter livre? Será que ela apenas aceitou os encantos do charmoso homem de olhos cor de mel, e submeteu-se a ele? Não era tão difícil imaginar um futuro ao lado dele. Como, agora, não era difícil para a policial imaginar um futuro ao lado da Conselheira. Não, não ao lado; a seus pés.
— Jackie? Está acordada?
A voz de sono da menina chegou a seus ouvidos, mas ela demorou a responder, permanecendo um pouco mais imersa na imagem do futuro que tinha construído.
— É hoje o dia, amiga.
— É. — Respondeu, por fim.
— O que houve? Não me diga que está com aquele pensamento de novo.
— Não, não... — Mentiu.
— Anime-se, amiga. Amanhã... — Virou-se barriga para cima, apoiando as mãos sob o travesseiro, — estaremos acordando em camas quentinhas, e livres disso tudo.
Jackie estremeceu com a possibilidade, com a realidade estilhaçando a imagem que ela criara há pouco. Virou-se de costas para a amiga.
— Jackie... — Lara percebeu que a amiga tremia, e fez força para que ela voltasse a uma posição com a qual pudessem conversar olhando uma nos olhos da outra. — Ela pegou você de jeito, né? Não fica assim, amiga. Vamos ficar bem quietinhas aqui no meu quarto até a hora do plano. Depois, é só liberdade para nós.
As tentativas de ânimo de Lara, por mais que ela se esforçasse, não surtiam o efeito desejado em Jackie. Ao contrário, deixavam-na mais infeliz. Mas uma coisa era certa: a Conselheira havia mesmo entrado em sua cabeça de jeito.
Aquela mulher mexera em pensamentos profundos, em segredos tão internos e enraizados, que nem a própria policial admitia tê-los. E havia a tortura física. Ela a torturava quando desejava, sem se preocupar com o que estivesse sentindo. Quando mais Jackie sofresse, melhor. Então, por que se sentia assim? Por que, em seu íntimo – e que, pouco a pouco imergia para seu racional – ela desejava ficar naquele lugar? Sentiu o coração apertar uma vez mais.
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Crônicas de Rat's Bay - Jackie Aeon
ActionCrônicas de Rat's Bay é uma distopia sombria e profunda, um mergulho ao que há de pior e mais podre no coração humano. Em uma cidade dominada pela corrupção, Jackie Aeon é uma jovem detetive. Sua missão, entretanto, não é fácil: ela precisa se infil...