Capítulo 10 - Eu Não Nasci Pra isso

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Não tardou até a garota chegar ao quarto da escrava. O silêncio dominava o corredor, embora Lara acreditasse que todos os escravos estivessem cochichando em suas camas uns com os outros, conversando a respeito do que ela acabara de fazer. Tentou não pensar no que eles estariam achando sobre ela naquele momento. Não bateu na porta, apenas testou o trinco com desconfiança e entrou ao constatar que estava aberto.

— Jackie?

O lugar estava em uma semipenumbra. Um abajur havia sido deixado ligado, mas estava em uma mesa de canto distante da cama. Dessa forma, o leito e sua ocupante estavam protegidos no escuro. Aproximou-se da beirada do colchão. Notou que a escrava estava encolhida em um canto, e, ao tentar tocá-la, se encolheu ainda mais, assustada.

Jackie vivia um misto de emoções. Suas costas doíam como há muito tempo não o faziam. Ela havia prometido para si mesma não se deixar envolver como fizera com Jade, e, contrariando sua própria ordem, tinha sentimentos por Lara, embora não fossem os mesmos. Ela via a menina como uma irmã mais nova, alguém que merecesse proteção. Mas ainda assim, gostava dela. E, no entanto, ela obedeceu a Conselheira e espancou-a. Ela não precisava de proteção; não da sua. Tentou tocar um dos vergões em seu ombro direito, mas o simples esforço transformou seu rosto em uma careta de dor.

Escutou quando a porta de seu quarto foi aberta, alguém entrando por ela; era Lara. Cruzou os braços e encolheu-se mais para a beirada da cama, mantendo-se em silêncio. Sentiu os músculos se contraírem em reflexo ao ouvir sua voz chamando-a uma vez mais.

— Jackie... — Repetiu, um chamado lamurioso e recheado de pesar. — Olha, me desculpa, tá bem? Eu sei que devia ter impedido-a. Mas eu... — Sentou-se na beirada da cama e escondeu o rosto com as mãos, lágrimas lutavam para passar entre os dedos. — Eu nunca fiz isso, tá bem? Eu não queria fazê-lo! Ainda mais contigo! Eu não sabia!

O choro juvenil ecoou pelo quarto por um instante, sendo quebrado pelo sussurro da policial.

— Você devia ter se negado.

— É? E ser castigada por ela?! — Virou-se de frente para Jackie, ainda que a policial continuasse de costas. — E ganhar uma coleira?

— Eu ganhei uma coleira para encontrá-la. — Respondeu em tom ríspido. — Duas, na verdade.

— Olha, eu... — Voltou a chorar. — Por que você está fazendo isso?!

Jackie permaneceu em silêncio por um tempo. Então, virou-se de frente para Lara, logo depois de acender uma luz na lateral da cama.

— Eu ganhei duas coleiras para te encontrar, garota. Fui estuprada. Me torturaram. Me viciaram. Não vejo meu noivo há tanto tempo que eu acho que nem lembro mais do rosto dele. E você, princesinha do Alto Conselheiro, herdeira da cidade, vem me dizer que não conseguiu dizer que não para a Conselheira para não ganhar uma coleira?!

Jackie já ignorava por completo a dor dos cortes. Estava zangada demais e, ainda que soubesse que a culpa não pertencia inteiramente à Lara, tinha vontade de acertar-lhe um soco na boca.

— Olha... Me perdoa, eu imploro! Eu não sabia que ela faria aquilo. Ela disse que tinha uma lição para me mostrar e me levou para aquele lugar. Eu não fazia ideia que a lição era eu espancar você! Eu juro!

— Que seja. — Respondeu com frieza. — O que quer aqui? Uma vez já não foi o suficiente?

— Por favor, Jackie! — Lara escondeu o rosto no travesseiro. Soluçava de tanto chorar. Fungou e tentou respirar fundo, embora as lágrimas ainda caíssem. — Eu vim ver como você estava.

Crônicas de Rat's Bay - Jackie AeonOnde histórias criam vida. Descubra agora