Não tardou até a garota chegar ao quarto da escrava. O silêncio dominava o corredor, embora Lara acreditasse que todos os escravos estivessem cochichando em suas camas uns com os outros, conversando a respeito do que ela acabara de fazer. Tentou não pensar no que eles estariam achando sobre ela naquele momento. Não bateu na porta, apenas testou o trinco com desconfiança e entrou ao constatar que estava aberto.
— Jackie?
O lugar estava em uma semipenumbra. Um abajur havia sido deixado ligado, mas estava em uma mesa de canto distante da cama. Dessa forma, o leito e sua ocupante estavam protegidos no escuro. Aproximou-se da beirada do colchão. Notou que a escrava estava encolhida em um canto, e, ao tentar tocá-la, se encolheu ainda mais, assustada.
Jackie vivia um misto de emoções. Suas costas doíam como há muito tempo não o faziam. Ela havia prometido para si mesma não se deixar envolver como fizera com Jade, e, contrariando sua própria ordem, tinha sentimentos por Lara, embora não fossem os mesmos. Ela via a menina como uma irmã mais nova, alguém que merecesse proteção. Mas ainda assim, gostava dela. E, no entanto, ela obedeceu a Conselheira e espancou-a. Ela não precisava de proteção; não da sua. Tentou tocar um dos vergões em seu ombro direito, mas o simples esforço transformou seu rosto em uma careta de dor.
Escutou quando a porta de seu quarto foi aberta, alguém entrando por ela; era Lara. Cruzou os braços e encolheu-se mais para a beirada da cama, mantendo-se em silêncio. Sentiu os músculos se contraírem em reflexo ao ouvir sua voz chamando-a uma vez mais.
— Jackie... — Repetiu, um chamado lamurioso e recheado de pesar. — Olha, me desculpa, tá bem? Eu sei que devia ter impedido-a. Mas eu... — Sentou-se na beirada da cama e escondeu o rosto com as mãos, lágrimas lutavam para passar entre os dedos. — Eu nunca fiz isso, tá bem? Eu não queria fazê-lo! Ainda mais contigo! Eu não sabia!
O choro juvenil ecoou pelo quarto por um instante, sendo quebrado pelo sussurro da policial.
— Você devia ter se negado.
— É? E ser castigada por ela?! — Virou-se de frente para Jackie, ainda que a policial continuasse de costas. — E ganhar uma coleira?
— Eu ganhei uma coleira para encontrá-la. — Respondeu em tom ríspido. — Duas, na verdade.
— Olha, eu... — Voltou a chorar. — Por que você está fazendo isso?!
Jackie permaneceu em silêncio por um tempo. Então, virou-se de frente para Lara, logo depois de acender uma luz na lateral da cama.
— Eu ganhei duas coleiras para te encontrar, garota. Fui estuprada. Me torturaram. Me viciaram. Não vejo meu noivo há tanto tempo que eu acho que nem lembro mais do rosto dele. E você, princesinha do Alto Conselheiro, herdeira da cidade, vem me dizer que não conseguiu dizer que não para a Conselheira para não ganhar uma coleira?!
Jackie já ignorava por completo a dor dos cortes. Estava zangada demais e, ainda que soubesse que a culpa não pertencia inteiramente à Lara, tinha vontade de acertar-lhe um soco na boca.
— Olha... Me perdoa, eu imploro! Eu não sabia que ela faria aquilo. Ela disse que tinha uma lição para me mostrar e me levou para aquele lugar. Eu não fazia ideia que a lição era eu espancar você! Eu juro!
— Que seja. — Respondeu com frieza. — O que quer aqui? Uma vez já não foi o suficiente?
— Por favor, Jackie! — Lara escondeu o rosto no travesseiro. Soluçava de tanto chorar. Fungou e tentou respirar fundo, embora as lágrimas ainda caíssem. — Eu vim ver como você estava.
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Crônicas de Rat's Bay - Jackie Aeon
ActionCrônicas de Rat's Bay é uma distopia sombria e profunda, um mergulho ao que há de pior e mais podre no coração humano. Em uma cidade dominada pela corrupção, Jackie Aeon é uma jovem detetive. Sua missão, entretanto, não é fácil: ela precisa se infil...