Capítulo 11 - Quem alimenta quem?

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Lara seguia a escrava em silêncio. Sua cabeça estava dando voltas acerca do tudo que havia vivenciado até aquele momento. De fato, estivera encantada com aquela nova realidade desde o começo, como aquilo acontecia em sua cidade, na cidade de sua família desde a fundação, desde antes até, quando ainda toda aquela região pertencia à máfia de Chicago.

No entanto,... No entanto estava ali, vivendo com uma mulher que mantinha um verdadeiro harém, embora não fosse o correto uso da expressão, dentro do território de sua família. Ela estivera encantada quase desde o começo, quando o susto do sequestro – que agora desconfiava ter sido armado por sua tutora – tornou-se uma lembrança. Aos poucos, sua tutora apresentou as sutilezas, os pequenos detalhes daquela vida eram fascinantes. Obediência cega e irrestrita. Era este mundo que ela lhe oferecia.

Lara era a filha do Alto Conselheiro da cidade e herdeira da Cadeira Maior quando seu pai lhe transmitisse a posse. Desde sempre ela fora educada para ser obedecida, mas, ainda assim, deveria aprender a aceitar e respeitar as opiniões de outros, principalmente daqueles que lidavam em áreas que não eram de sua competência, como os demais conselheiros. Mas este mundo não se aplicava ali.

Lembrou-se da primeira ordem que deu para Lucy, apenas alguns dias depois de chegar. Era algo simples, orientada por sua tutora: mandou que a escrava se despisse por completo e dançasse para elas. Na ocasião ela achou aquilo tão fantástico, pois esperara que a garota apresentasse alguma resistência a seu comando e, no entanto, cumpriu-o sem pestanejar. Com o passar dos dias, a Conselheira apresentou-lhe outras possibilidades, explicou o que escravos faziam ou não; contou que escravos desobedientes deveriam ser castigados até que aprendessem a sempre obedecê-la. Foi instruída que existem diferentes tipos de escravos: alguns são mais suscetíveis à dor, outros à humilhação; alguns deliciavam-se em interagir como se fossem animais. E existia aqueles aos quais ela apenas escolheria que papel teriam para si, e moldavam-nos até que cumprissem esse personagem. Aprendeu sobre compra, venda, leilões, exposições. Era, de fato, todo um mundo novo que, segundo sua tutora, era de vital importância para a sanidade da cidade. Dobrou o último corredor, vendo a escrava bater duas vezes na porta, ainda com o som da voz da dona da casa em sua mente.

— Veja bem, Lara, minha criança. O que temos aqui é o que mantém a cidade sã, saudável. Eu sou o principal pilar desta sociedade.

— Madame? — Perguntou Lucy de joelhos, olhando para a dona com um sorriso no rosto. A mulher estava sentada a uma pequena mesa, com um conjunto de café da manhã servido. Em um móvel próximo havia comida a serem servidas. — Trouxe a mestra conforme a senhora solicitou, Madame.

— Obrigada, Lucy, meu amor. — Levantou-se e caminhou ao encontro da pupila. — Lara, minha querida! Que bom que veio! Começava a achar que estava me evitando. — Riu do comentário.

— Oh, bom dia, Conselheira. — Respondeu a mais nova meio contrariada. Desviou o olhar para a comida, evitou os olhos castanhos. — Bem... Eu achei que a senhora pudesse estar brava ou zangada comigo, pelo que disse na outra noite. — Deixou as palavras escoarem por seus lábios de uma única vez.

— Por favor, sente-se. — Apontou para a cadeira a sua frente. — Lara, minha criança preciosa. Eu nunca ficaria zangada com você. E aquilo? Aquilo é passado. Eu imaginei que talvez você estivesse pronta para aquele tipo de lição. Eu me enganei. Não se preocupe. Vamos comer? — A garota sorriu aliviada e fez que sim com a cabeça. — Ótimo. Lucy.

Sem dizer nada, a escrava levantou-se e começou a servi-las, como se, de fato, elas não estivessem ali.

— Então, minha criança... Soube que tem passado bastante tempo com Jackie.

Crônicas de Rat's Bay - Jackie AeonOnde histórias criam vida. Descubra agora