Jackie estava apreensiva. Ela havia sido tirada de seu quarto, por Lucy, antes mesmo do almoço, sob ordens de sua dona, e levada à sala comunal. No entanto, ela não a vira desde que chegara e, naquele momento, observava os dois seguranças postados ao lado da porta que dava acesso à garagem.
— Oi.
Virou-se ao notar uma voz infantil se dirigindo para ela. Sua dona era uma menina que seguramente não tinha idade para sair de casa sem os pais. Estava vestida como uma daquelas antigas bonecas de cerâmica, com um vestido rosa, com babados em branco e bordas combinando; um discreto colar de pérolas estava em seu pescoço fino, e um chapéu – apesar de estarem dentro de casa -, do mesmo tecido e cor do vestido, cobria-lhe parte dos cabelos dourados e cacheados. O rosto estava com uma maquiagem discreta, uma base que proporcionava ao rosto uma textura aveludada e os lábios pintados de rosa claro em formato de coração.
— Oi, tudo bem?
— Olá, criança, — Jackie respondeu com carinho. — Tudo bem com você?
— Tudo bem sim, obrigada. — A garota sorriu e sentou-se ao lado da policial, balançando os pés que, na posição que sentara, não tocavam o chão. — Eu sou nova aqui, não conheço ninguém ainda... — Enrolou a ponta do vestido no dedo e fez cara de choro. — Não tenho nenhuma amiga ainda.
— Bem, seja bem vinda, então, pequenina. Como se chama? Eu me chamo Jackie.
— A dona me disse que eu me chamaria Nina, que seria sua bonequinha de cerâmica. — Sorriu como se aquilo fosse a melhor coisa do mundo, sendo respondida com uma expressão séria e estranha pela outra. — Você quer ser minha amiga?
— É... Claro... — Jackie tentou disfarçar o constrangimento. — Mas olha, você não deve ver isso, — baixou o volume da própria voz, quase em um sussurro, — como se fosse a melhor coisa do mundo... Isso aqui é...
— Minha dona disse que eu tenho um lugarzinho especial... — Segurou a barra do vestido e olhou para baixo, — bem aqui, debaixo da saia... Você quer ver? — Concluiu já levantando a roupa, sendo impedida pela policial.
— Todas temos, pequenina, — respondeu em tom sério, repreendedor e olhar firme. — Mas você é muito nova para saber para que ele serve, não?
A criança riu, uma risada ao mesmo tempo infantil e um dotada de um algo mais que a policial não soube identificar.
— A dona me mostrou para que ele serve, boba. E ela disse que eu só posso mostrar para quem for meu amigo. — Colocou-se de joelhos e abanou para Lucy, que vinha por uma porta ao lado da entrada da biblioteca. Jackie sabia onde dava aquele corredor.
A naturalidade com a qual a criança falou sobre aquilo, sobre seu "lugarzinho especial", tomou Jackie como um soco na cara. Sentiu o rosto avermelhar de raiva, apertou as mãos fechadas com força, e teve que se controlar para não gritar quando Lucy chamou seu nome para o encontro com a Madame.
— Jackie, minha criança. A Madame quer vê-la.
— Obrigada. — Respondeu secamente. Levantou-se e, antes de sair da sala, virou-se para Nina. — Pequena, você não deve falar dessas coisas com ninguém, ouviu? Você não tem idade para isso! Se tiver a oportunidade, fuja daqui!
— Vamos agora, Jackie! — Ordenou a escrava mais velha, agarrando-a pelo braço.
— Tá! Eu sei! Estou indo!
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Crônicas de Rat's Bay - Jackie Aeon
ActionCrônicas de Rat's Bay é uma distopia sombria e profunda, um mergulho ao que há de pior e mais podre no coração humano. Em uma cidade dominada pela corrupção, Jackie Aeon é uma jovem detetive. Sua missão, entretanto, não é fácil: ela precisa se infil...