TAPE #15

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Em algum ponto entre a meia-noite, quando a família deitara na cama para dormir, e às sete da manhã de segunda-feira, quando Barbara maratonava, de novo, a sétima temporada de Doctor Who na televisão na sala de estar da casa, alguma coisa acontecia com o marido no quarto.

A câmera flagrou quando ele abriu os olhos. Parecia totalmente desnorteado. Só isso podia-se compreender. Esticou o braço em frente ao rosto e os abanou. Estava, aparentemente, cego. Era como se ele não enxergasse um palmo à sua frente.

Naquela altura da manhã, apenas raríssimos feixes de luz adentravam o cômodo.

A filmagem ainda estava pigmentada de verde por conta da visão noturna. Na cama, o homem abaixou os braços, flexionou os dedos, sentindo e ouvindo-os estralar. Os braços, agora, estavam estendidos, rentes ao corpo. A garganta parecia seca, seus gritos por ajuda saíam baixo e de maneira áspera. Precisava levantar e tomar água. Quis erguer os braços novamente, mas estava fraco. Dor? Confusão mental? O que estava acontecendo?

Respirou fundo repetidas vezes, com o peito subindo e descendo, parando de retorcer-se de dor e desespero por um momento.

E, com um anseio agonizante, sentou-se com tudo, fazendo uma fotografia da família cair da parede acima do colchão. Sentia uma sensação estranha. Como aquelas de infância quando vamos dormir no sítio do tio e acordamos assustados de manhã, olhando para o teto, encontrando um cenário tão diferente do nosso habitual.

Nessas horas a gente leva um instante para se lembrar onde você está e como chegou ali.

Os olhos começaram a lacrimejar intensamente, a ponto de ter lágrimas escorrendo pelos cantos dos olhos, descendo em direção da bochecha e pingando do queixo.

Sentia dor, e ainda não enxergava, pois soltou um gemido entre dentes. Tentou pedir ajuda, mas a voz não saiu. O estômago queimava. Tinha alguma coisa espetada no braço. Uma agulha! Não podia ver, mas sabia que tinha uma agulha enfiada no braço. Ou era apenas a sensação de pinicamento? Ele não sabia.

O medo o paralisou. Os olhos arregalaram e os globos dançaram nervosamente, totalmente vagos.

Então, como se tivesse lhe tirado uma venda dos olhos, um facho de luz cegante do sol veio de encontro ao seu rosto. A mão forçou a tomada do abajur ao lado da cama. A luz encheu e queimou o globo. Um gemido em protesto.

Engoliu a seco tudo que aconteceu quando viu que não havia nada de errado no cômodo; ele estava em seu quarto. Ileso. Seguro? Já não possuía essa mesma certeza. Isso o fez semicerrar os olhos, ainda atordoado pela luz e por escutar os barulhos ao redor. Do lado de fora do quarto, passos pareciam caminhar para longe. Para além dele.

Esta foi a primeira vez que Harrison manifestou o sintoma de possessão também.

...

Na sala de estar, quando aquela ligação veio, Barbara estava secando os olhos com o episódio assistido. Ela se recuperou, inspirou bem profundamente e riu de si mesma por estar chorando com uma série de TV; rumou até o hall de entrada, onde, com uma das mãos, pegou o telefone principal e o atendeu, olhando por sobre o ombro ao ouvir passos descendo as escadas.

Não havia ninguém.

— Alô — saudou ela, dando de ombros à sua audição. — Sim, sim, é ela. O quê? Quando? Como ele está? Ele não... — e depois de uma longa pausa em que seus olhos se enchiam de lágrimas novamente, ela finalizou a gravação dizendo: — eu não consigo acreditar. Não parece real!

Mais passos, só que, diferente da outra vez, esses pertenciam a Harrison. O marido olhou para a mulher enquanto ela o encarava atônita. Seus lábios tremeram enquanto os braços de Harry a envolviam em um forte abraço de consolo. Barbara pigarreou ao depositar o aparelho telefônico de volta no gancho.

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