Deus existe?
Uma das perguntas que julgo mais inúteis em filosofia é se Deus
existe. Vou contar uma coisa para você. O filósofo Blaise Pascal
(século XVII) inventou uma coisa que ficou conhecida como "aposta
pascaliana", que gente chique como o psicanalista Jacques Lacan
(século XX) gostava de citar como metáfora para o final de análise
(coisa tão difícil de ver quanto amor verdadeiro...). O psicanalista
francês queria dizer com isso que um paciente que fez bem sua
análise estaria na condição do crente de Pascal: a vida é uma questão
de aposta e não segurança absoluta, coisa que neurótico sempre busca
e nunca encontra (de novo, como o amor verdadeiro...). Mas
voltemos à aposta de Pascal. A ideia, no primeiro e mais citado
momento de sua "aposta", era mostrar para o descrente (o libertino,
na linguagem de sua época) que ele era um sujeito sem informação e
pouco racional, porque se o fosse, saberia que o mais racional e útil
era apostar na existência de Deus. E por quê? Porque caso você
apostasse em sua não existência, você viveria os poucos anos de sua
vida terrena sem levar em conta a vontade de Deus, e depois toparia
com o Eterno do outro lado cobrando tudo de errado que você fez
aqui. Assim, você teria negado investir (apostar) na existência de
Deus nos poucos anos que teve na Terra e seria obrigado a amargar
uma eternidade de sofrimento do outro lado. Qualquer quantidade
que você aposte contra o infinito é um nada, por isso o texto em que
ele descreve sua aposta se chama "Infinito, nada". O infinito é Deus e
nós somos o nada.
Mas voltemos aos termos da aposta. Se você apostasse que
Deus existe, e vivesse seus poucos anos aqui levando em conta a
vontade de Deus, e tivesse uma vida "sem graça porque santinha", e
Deus não existisse, você não realizaria a perda, porque morreria e
sua alma deixaria de existir; logo, você não tomaria consciência de
que fez uma aposta errada. Se você apostasse na existência de Deus e
Ele existisse, aí você seria recompensado com uma eternidade de
leite e mel, bem ao contrário daquele descrente que não quis se
limitar nesta vida, mas acabou por amargar uma eternidade de
sofrimento.
Portanto, nesse primeiro e mais citado momento de sua
aposta, Pascal estaria nos dizendo que o mais racional é apostar na
existência de Deus porque o risco contrário seria muito pior (Pascal
era um exímio jogador de dado, um verdadeiro viciado). O erro na
aposta da Sua existência seria muito mais terrível do que o erro na
aposta da Sua inexistência. A perda, aqui, seria muito maior que uma
vida sem graça e santinha em nome de um Deus inexistente, uma vez
que sua alma acabaria com o corpo e não tomaria consciência de sua
aposta errada.
Existe um segundo momento da aposta menos citado e
fundamental para o argumento de Pascal. Uma vez tendo ouvido o
discurso do crente, que quer provar que a crença em Deus é mais
racional em termos de probabilidade (Pascal é um dos fundadores do
cálculo de probabilidades em matemática), o descrente diz que,
mesmo reconhecendo a força lógica da aposta, não consegue crer em
Deus. Ao que Pascal responde logo: a fé é fruto da graça divina, é
sobrenatural, e não fruto de cálculo racional. Com isso, Pascal quer
dizer que não adianta tentar provar a existência de Deus, porque não
chegamos à fé pelo uso da razão e seus argumentos, mas sim pelo
fato de Deus nos dar ou não a graça de ter fé Nele.
Concluímos, assim, que de nada adianta o uso da razão em
assuntos da fé. Você pode ver pessoas brilhantes que têm fé e
estúpidos que se acham o máximo porque não creem em Deus.
Claro que falar que crer em Deus é fruto da graça de Deus,
é já crer Nele de alguma forma. Mas posso sair desse ciclo teológico e
pensar que crer em Deus é mais fruto de causas extrarracionais como
educação, traumas infantis, ambiente cultural familiar, ter um
"cérebro de crente" do que pensar que crer em Deus é fruto de uma
cadeia lógica de provas a seu favor. A mesma coisa vale para a
descrença. Dito de outra forma, não acredito que crer em Deus seja
uma coisa que você escolhe, assim como você escolhe uma marca de
sabonete ou uma marca de carro com base na lógica custo-benefício.
Acho que argumentos que tentam provar a existência de Deus são
inúteis. Muita gente tenta provar a existência de Deus dizendo que o
universo "necessita" de um princípio ordenador de tudo, o que eu
julgo infantil como argumento. Tudo isto aqui pode ser fruto de um
grande acaso num espaço de tempo inimaginável no qual os
elementos se arrumam e desarrumam, e no meio deles nós surgimos
e desaparecemos.
Deus existe? Eu nunca fui crente. Mas isso não me impede
de julgar Deus uma hipótese elegante para a existência das coisas,
uma vez que um ser como Ele me parece misterioso e interessante de
conhecermos, ainda mais se for uma "pessoa". Qualquer um de nós
no lugar Dele já teria se matado. Ninguém suportaria a eternidade e
tanto conhecimento acumulado (o conhecimento de tudo que existe),
apesar de ficarmos atrás dela (a eternidade) nessas crenças no
sobrenatural, na metafísica e no próprio Deus. O que me leva a
perguntar: o homem é um ser racional? Como ele pode buscar tanto
uma coisa (como a eternidade) de modo tão obsessivo e enlouquecer
se a conseguisse? Então, repito: seria o homem um ser racional?
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
RandomO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...