CAPÍTULO 10

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Deus existe?


Uma das perguntas que julgo mais inúteis em filosofia é se Deus

existe. Vou contar uma coisa para você. O filósofo Blaise Pascal

(século XVII) inventou uma coisa que ficou conhecida como "aposta

pascaliana", que gente chique como o psicanalista Jacques Lacan

(século XX) gostava de citar como metáfora para o final de análise

(coisa tão difícil de ver quanto amor verdadeiro...). O psicanalista

francês queria dizer com isso que um paciente que fez bem sua

análise estaria na condição do crente de Pascal: a vida é uma questão

de aposta e não segurança absoluta, coisa que neurótico sempre busca

e nunca encontra (de novo, como o amor verdadeiro...). Mas

voltemos à aposta de Pascal. A ideia, no primeiro e mais citado

momento de sua "aposta", era mostrar para o descrente (o libertino,

na linguagem de sua época) que ele era um sujeito sem informação e

pouco racional, porque se o fosse, saberia que o mais racional e útil

era apostar na existência de Deus. E por quê? Porque caso você

apostasse em sua não existência, você viveria os poucos anos de sua

vida terrena sem levar em conta a vontade de Deus, e depois toparia

com o Eterno do outro lado cobrando tudo de errado que você fez

aqui. Assim, você teria negado investir (apostar) na existência de

Deus nos poucos anos que teve na Terra e seria obrigado a amargar

uma eternidade de sofrimento do outro lado. Qualquer quantidade

que você aposte contra o infinito é um nada, por isso o texto em que

ele descreve sua aposta se chama "Infinito, nada". O infinito é Deus e

nós somos o nada.

Mas voltemos aos termos da aposta. Se você apostasse que

Deus existe, e vivesse seus poucos anos aqui levando em conta a

vontade de Deus, e tivesse uma vida "sem graça porque santinha", e

Deus não existisse, você não realizaria a perda, porque morreria e

sua alma deixaria de existir; logo, você não tomaria consciência de

que fez uma aposta errada. Se você apostasse na existência de Deus e

Ele existisse, aí você seria recompensado com uma eternidade de

leite e mel, bem ao contrário daquele descrente que não quis se

limitar nesta vida, mas acabou por amargar uma eternidade de

sofrimento.

Portanto, nesse primeiro e mais citado momento de sua

aposta, Pascal estaria nos dizendo que o mais racional é apostar na

existência de Deus porque o risco contrário seria muito pior (Pascal

era um exímio jogador de dado, um verdadeiro viciado). O erro na

aposta da Sua existência seria muito mais terrível do que o erro na

aposta da Sua inexistência. A perda, aqui, seria muito maior que uma

vida sem graça e santinha em nome de um Deus inexistente, uma vez

que sua alma acabaria com o corpo e não tomaria consciência de sua

aposta errada.

Existe um segundo momento da aposta menos citado e

fundamental para o argumento de Pascal. Uma vez tendo ouvido o

discurso do crente, que quer provar que a crença em Deus é mais

racional em termos de probabilidade (Pascal é um dos fundadores do

cálculo de probabilidades em matemática), o descrente diz que,

mesmo reconhecendo a força lógica da aposta, não consegue crer em

Deus. Ao que Pascal responde logo: a fé é fruto da graça divina, é

sobrenatural, e não fruto de cálculo racional. Com isso, Pascal quer

dizer que não adianta tentar provar a existência de Deus, porque não

chegamos à fé pelo uso da razão e seus argumentos, mas sim pelo

fato de Deus nos dar ou não a graça de ter fé Nele.

Concluímos, assim, que de nada adianta o uso da razão em

assuntos da fé. Você pode ver pessoas brilhantes que têm fé e

estúpidos que se acham o máximo porque não creem em Deus.

Claro que falar que crer em Deus é fruto da graça de Deus,

é já crer Nele de alguma forma. Mas posso sair desse ciclo teológico e

pensar que crer em Deus é mais fruto de causas extrarracionais como

educação, traumas infantis, ambiente cultural familiar, ter um

"cérebro de crente" do que pensar que crer em Deus é fruto de uma

cadeia lógica de provas a seu favor. A mesma coisa vale para a

descrença. Dito de outra forma, não acredito que crer em Deus seja

uma coisa que você escolhe, assim como você escolhe uma marca de

sabonete ou uma marca de carro com base na lógica custo-benefício.

Acho que argumentos que tentam provar a existência de Deus são

inúteis. Muita gente tenta provar a existência de Deus dizendo que o

universo "necessita" de um princípio ordenador de tudo, o que eu

julgo infantil como argumento. Tudo isto aqui pode ser fruto de um

grande acaso num espaço de tempo inimaginável no qual os

elementos se arrumam e desarrumam, e no meio deles nós surgimos

e desaparecemos.

Deus existe? Eu nunca fui crente. Mas isso não me impede

de julgar Deus uma hipótese elegante para a existência das coisas,

uma vez que um ser como Ele me parece misterioso e interessante de

conhecermos, ainda mais se for uma "pessoa". Qualquer um de nós

no lugar Dele já teria se matado. Ninguém suportaria a eternidade e

tanto conhecimento acumulado (o conhecimento de tudo que existe),

apesar de ficarmos atrás dela (a eternidade) nessas crenças no

sobrenatural, na metafísica e no próprio Deus. O que me leva a

perguntar: o homem é um ser racional? Como ele pode buscar tanto

uma coisa (como a eternidade) de modo tão obsessivo e enlouquecer

se a conseguisse? Então, repito: seria o homem um ser racional?

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now