CAPÍTULO 29

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É bom viver tanto tempo assim? Os traumas da longevidade

Falávamos de progresso e perfectibilidade há pouco. Um caso

particular desse progresso é a longevidade. O homem nunca viveu

tanto tempo. Uma das coisas mais certas que podemos ter em mente é

que, salvo suicidas ou melancólicos profundos, todo mundo faz

qualquer negócio para viver mais. Mesmo os que se dizem

espiritualizados. Aliás, essa é uma das razões pelas quais quase 101%

das pessoas colaboram com regimes assassinos: garantir a vida e

garantir o jantar, apesar de posarem de resistentes, como muitos

desses franceses que fugiram da França após a queda dos nazistas em

Paris e agora posam de heróis da resistência em terras tupiniquins

para inteligentinhos mal informados.

Então, a história provou que a ciência estava certa, que

Francis Bacon (séculos XVI e XVII) tinha razão, e que, se parássemos

de perguntar coisas escolásticas (tipo de filosofia do final da Idade

Média que terminou seus dias se perguntando coisas como: "Deus

pode criar uma pedra que Ele mesmo não pode carregar?", ou seja,

em bom português, bullshit), inúteis, e atássemos a natureza em

laboratórios, conseguiríamos inventar aviões, antibióticos e

nanotecnologia. Deu certo. Como na vida real inventam-se soluções

para problemas que criam novos problemas, com a medicina

moderna descobrimos que os idosos não servem para muita coisa,

ainda mais quando são muitos e pobres (já falamos disso antes).

No mundo contemporâneo, as coisas só funcionam

quando viram nicho de mercado – veja a revolução gay, fruto da

publicidade norte-americana que descobriu que eles eram um nicho

de gente com grana, bem preparada e sem filhos (héteros são pobres

porque têm filhos...), e que, portanto, deveriam ser respeitados

porque compram. Quando idosos conseguem se impor como

consumidores, aí ficam bonitinhos; afora isso, só quando alguém

precisar dar um toque de tradição para uma marca de café...

Eis que a longevidade está aí. Vive-se muito, e uma das

primeiras coisas que os governos têm de fazer é adiar a

aposentadoria, porque ao lado da longevidade está a infertilidade das

mulheres seculares, o que gera o famoso problema da previdência:

não tem jovem bastante para bancar tanto idoso querendo ser feliz.

Afora essa questão de gestão, a longevidade cria outros traumas.

Como os vínculos são cada vez mais efêmeros entre as pessoas, e a

atomização é crescente (já vimos isso), a tendência é a solidão ser a

outra face da longevidade. Pessoas vegetam em suas casas, quando

têm casas, ou abrem-se novas casas de repouso. Claro, existe até uma

nova ciência: gerontologia.

Nunca estivemos tão longe do valor dos idosos (gerontes

em grego); ao contrário, os jovens, com sua inexperiência,

arrogância (coitados, culpa dos pais, professores e jornalistas que

ficam babando em cima deles) e seu conhecimento de iPhone, são a

referência dos mais velhos. O mais ridículo é que, ao lado da

longevidade técnica alcançada, foi o apodrecimento, e não o

amadurecimento, que se instalou como marca do envelhecimento no

mundo contemporâneo (claro, mente-se sobre isso com o papinho

de melhor idade). Não se amadurece, perde-se o prazo de validade,

mesmo com (alguma) saúde. Longevos correm o risco de um dia

parecerem um bando de zumbis, sem lugar num mundo em que, ao

mesmo tempo que você pode viver noventa anos com (alguma)

saúde, você já começa a envelhecer aos 25, desesperado por causa do

colesterol, da estria e das rugas.

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now