É bom viver tanto tempo assim? Os traumas da longevidade
Falávamos de progresso e perfectibilidade há pouco. Um caso
particular desse progresso é a longevidade. O homem nunca viveu
tanto tempo. Uma das coisas mais certas que podemos ter em mente é
que, salvo suicidas ou melancólicos profundos, todo mundo faz
qualquer negócio para viver mais. Mesmo os que se dizem
espiritualizados. Aliás, essa é uma das razões pelas quais quase 101%
das pessoas colaboram com regimes assassinos: garantir a vida e
garantir o jantar, apesar de posarem de resistentes, como muitos
desses franceses que fugiram da França após a queda dos nazistas em
Paris e agora posam de heróis da resistência em terras tupiniquins
para inteligentinhos mal informados.
Então, a história provou que a ciência estava certa, que
Francis Bacon (séculos XVI e XVII) tinha razão, e que, se parássemos
de perguntar coisas escolásticas (tipo de filosofia do final da Idade
Média que terminou seus dias se perguntando coisas como: "Deus
pode criar uma pedra que Ele mesmo não pode carregar?", ou seja,
em bom português, bullshit), inúteis, e atássemos a natureza em
laboratórios, conseguiríamos inventar aviões, antibióticos e
nanotecnologia. Deu certo. Como na vida real inventam-se soluções
para problemas que criam novos problemas, com a medicina
moderna descobrimos que os idosos não servem para muita coisa,
ainda mais quando são muitos e pobres (já falamos disso antes).
No mundo contemporâneo, as coisas só funcionam
quando viram nicho de mercado – veja a revolução gay, fruto da
publicidade norte-americana que descobriu que eles eram um nicho
de gente com grana, bem preparada e sem filhos (héteros são pobres
porque têm filhos...), e que, portanto, deveriam ser respeitados
porque compram. Quando idosos conseguem se impor como
consumidores, aí ficam bonitinhos; afora isso, só quando alguém
precisar dar um toque de tradição para uma marca de café...
Eis que a longevidade está aí. Vive-se muito, e uma das
primeiras coisas que os governos têm de fazer é adiar a
aposentadoria, porque ao lado da longevidade está a infertilidade das
mulheres seculares, o que gera o famoso problema da previdência:
não tem jovem bastante para bancar tanto idoso querendo ser feliz.
Afora essa questão de gestão, a longevidade cria outros traumas.
Como os vínculos são cada vez mais efêmeros entre as pessoas, e a
atomização é crescente (já vimos isso), a tendência é a solidão ser a
outra face da longevidade. Pessoas vegetam em suas casas, quando
têm casas, ou abrem-se novas casas de repouso. Claro, existe até uma
nova ciência: gerontologia.
Nunca estivemos tão longe do valor dos idosos (gerontes
em grego); ao contrário, os jovens, com sua inexperiência,
arrogância (coitados, culpa dos pais, professores e jornalistas que
ficam babando em cima deles) e seu conhecimento de iPhone, são a
referência dos mais velhos. O mais ridículo é que, ao lado da
longevidade técnica alcançada, foi o apodrecimento, e não o
amadurecimento, que se instalou como marca do envelhecimento no
mundo contemporâneo (claro, mente-se sobre isso com o papinho
de melhor idade). Não se amadurece, perde-se o prazo de validade,
mesmo com (alguma) saúde. Longevos correm o risco de um dia
parecerem um bando de zumbis, sem lugar num mundo em que, ao
mesmo tempo que você pode viver noventa anos com (alguma)
saúde, você já começa a envelhecer aos 25, desesperado por causa do
colesterol, da estria e das rugas.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
OverigO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...