A ética dos valores
O que são valores morais? Todo mundo fala, mas ninguém sabe ao
certo. Uma dica: quando você ouvir alguém falando muito de valores
isso, valores aquilo, cuidado! Ele vai bater sua carteira (excluí o
"ela" aqui porque não acho que as mulheres costumam ser tão
criminosas como os homens, e, quando o são, o dano moral é
sempre maior para elas). Outro papo comum hoje sobre o tema
valores é: "Ninguém hoje tem mais valores". O interessante dessa
ladainha é que, ao mesmo tempo, quem lamenta a morte dos valores
é o mesmo que acha que tudo deve ser novo e dissociado do passado.
Valores só existem quando existem condutas bem marcadas por
expectativas sociais que herdamos para além de nossa vontade. Essa
moçada pensa que valores são coisas que você escolhe como um
desodorante ou uma banda de música.
Quando se fala em valores morais se quer dizer coisas
como honestidade, fidelidade, sinceridade, trabalho, liberdade,
coisas assim. A filosofia moral começa a falar em valores a partir do
século XIX, no sentido de marcas positivas de comportamento que se
somariam ao convívio humano ou tornariam a vida menos sofrida.
Valores morais são cultivados por uma sociedade ou uma tradição ao
longo do tempo. Pode-se dizer, por exemplo, que a caridade é um
valor cristão, porque os cristãos e seus textos sagrados a valorizam
como comportamento positivo. Ao contrário, a usura não seria um
valor cristão, porque seria desvalorizada ou valorizada de modo
negativo pelos cristãos e seus textos sagrados.
O filósofo que mais falou desses valores foi o próprio
Nietzsche, para dizer que eram uma criação dos fracos para controlar
os fortes, porque estes eram fonte de valor para si mesmos. Isso
significa que esse homem nietzschiano, o super-homem, não precisa
de marcas de comportamento exteriores a ele, e que essas marcas
sejam criadas pela sociedade para controlá-lo. Para o romântico
alemão, a força, a coragem, a espontaneidade são valores que brotam
da força interna do homem ou da mulher, que são superiores. Essa
força interna é a vontade de potência de que tanto fala Nietzsche.
No mundo contemporâneo, a herança nietzschiana,
principalmente de corte francês, em filósofos como Gilles Deleuze e
Michel Foucault, e o caráter relativo dos valores ficaram expostos, e,
portanto, sua validade é relativa a tempo e espaço específicos. Se
formos para trás um pouco no tempo, e chegarmos ao século XVII,
em filósofos como Blaise Pascal, ou no XVI, em Michel de
Montaigne, ambos carregados de teor cético em seus argumentos, ou
mais atrás ainda, e formos aos últimos séculos da era pré-cristã na
Grécia, e ouvirmos as vozes dos sofistas e céticos, veremos que
todos eles, apesar de não usarem a expressão valores, sempre foram
relativistas. Pascal chega a afirmar que, se o nariz de Cleópatra fosse
outro, a história do mundo seria outra. Logo, os valores seriam
outros.
O problema da ética dos valores é que ela é, no fundo, uma
ética que pressupõe tradições históricas que se impõem às pessoas
que nelas vivem. A modernidade, e seu ódio à ideia de tradição e
permanência no tempo, anseia por valores, mas é arredia à própria
ideia de valores morais, porque os considera opressores. A paixão
pelo novo, traço brega da modernidade, a impede que valorize
qualquer noção de passado, e os valores, para funcionar, precisam
estar ancorados numa experiência de perenidade.
Entretanto, não duvide que existam valores no mundo
contemporâneo, e posso dar alguns exemplos deles: eficácia,
objetividade, produtividade. Você já imaginou recusá-los? Como é a
vida de alguém que não aceita esses valores? Boa sorte se você quiser
fazer a experiência. É assim, sentindo o peso dos valores, que você
percebe o que são os valores de uma cultura. Os bonitinhos de nosso
mundo gostam de posar de valores éticos, mas a ética deles é mesmo
a do sucesso, da vaidade e da eficácia. Suspeito que nunca existiu uma
época tão ridícula como a nossa em sua farsa ética.

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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
RandomO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...