O contemporâneo, o que é isso?
O termo contemporâneo se refere, a princípio, a um período
histórico (era contemporânea) pós-Revolução Francesa (1789). Os
americanos consideram a era contemporânea o período pósrevolução
americana (1776). De início, tratava-se de uma divisão
didática do tempo histórico, como Idade Antiga, Idade Média. Alguns
historiadores, hoje, questionam essa divisão dizendo, com razão,
que ela é bastante esquemática, e não se pode dividir a história em
períodos assim, o que é bem óbvio.
Quando se usa a expressão contemporâneo não se quer
falar de um período histórico (claro que o termo continua a se aplicar
à nossa época atual), mas de um modo de ser, um modo de viver, ou
seja, aplica-se a um conjunto de características que marcaria a nossa
época, e tem mais a ver com um tipo de comportamento do que com
um período de tempo específico. Por isso, pode-se dizer que um país
como o Brasil tem lugares que são mais contemporâneos que outros.
Uma forma fácil de entender o uso dessa expressão é ver
como a utilizamos como adjetivo em alguns casos. O adjetivo
contemporâneo é usado muitas vezes para um estilo de restaurante.
Um restaurante contemporâneo é um lugar descolado, chique sem
ser presunçoso. Não só pela comida, mas pela decoração ou cenário,
e, acima de tudo, pelo tipo de pessoa que o frequenta e trabalha nele.
A analogia com um restaurante é didática tanto para o bem
quanto para o mal. Toda forma didática de explicar uma coisa
implica a perda de nuances (lado negativo) e, ao mesmo tempo, o
modo urgente de esclarecer uma coisa (lado positivo) para gente
contemporânea que está sempre com pressa, não porque ela seja uma
desgraçada, mas porque tem um mundo que espera por ela para
acontecer. Logo, se ninguém espera por você para que aconteça
alguma coisa é porque você está meio mal...
Voltando ao restaurante. Menu variado, de vários países,
mistura de sabores. Se tiver caça no meio, melhor ainda. Não pode
faltar comida para gente chatinha que tem medo de comer qualquer
coisa que não seja verde e que tenha sangue nas veias. O ambiente
deve ser meio apertadinho para que as pessoas rocem umas nas
outras e fiquem, de repente, com um pouco de tesão. Música, jamais
nacional. Música nacional deixa tudo com ar de escola de samba.
Brega, mesmo que muito europeu adore quando está bêbado. A
música pode ser uma mistura de jazz, blues e uma pitada de clássico.
O pessoal que serve deve estar de preto e branco, deve ser jovem, e
também gente que você comeria se pudesse. Acima de tudo, deve ser
simpático, mas jamais dando a ideia de que você é de classe social
acima da dele. Todos trabalham ali para pagar o curso de teatro ou a
faculdade, porque não querem pedir grana para os pais – mesmo que
sejam duros, devem parecer que trabalham lá por opção, já que o
mundo contemporâneo é obcecado por esse mito chamado escolha. E
esses jovens jamais devem dar trela para o cliente. Um ar blasé é
essencial para qualquer pessoal que seja (ou queira parecer) chique.
Tanto o menu quanto a carta de vinhos devem ser curtos. Muita
opção num restaurante é brega. Jamais fotos dos pratos – isso é para
restaurante que serve analfabetos. O chef deve ser famoso e ter um
nome pouco comum. Até pode ser Raimundo, mas só se for
Raimundo Dupré, ou algo assim. Outra coisa essencial: esses
restaurantes nunca devem usar iPads ou celulares para anotar os
pedidos. Fim da picada de terceiro-mundismo.
Existe uma versão feia do contemporâneo em termos de
restaurante: a famosa praça de alimentação, um lugar que você
jamais deve frequentar por opção. Se frequentar é porque já não tem
muita opção na vida. Nada mais deprimente do que mesas grandes
com gente da firma na hora do almoço. Caras com cara de derrotados,
minas com cara de quem jamais perderá peso. Caras que nem se
aventurariam a comer uma das colegas de trabalho. Minas que
sonhariam que alguém quisesse comê-las no trabalho, mas que
nunca vai rolar. Praça de alimentação onde você vê comida japonesa,
mexicana, chinesa, da fazenda, e também hambúrgueres (deixando
aquele cheiro de cozinha suja no ar). Mesmo que na praça tenha um
balcãozinho de comida baiana, ainda é triste.
A analogia com restaurantes nos ajuda porque mostra
muito o que significa ser contemporâneo: muita coisa diferente junto
uma da outra, com os incômodos e as soluções descoladas para isso.
A pressa é a marca essencial do contemporâneo. A forma ideal de
vivê-la é com leveza. Como se a pressa fosse um elemento da
natureza. Como você a enfrenta diz muito de onde você está na cadeia
alimentar desse mundo.
Os capítulos seguintes serão dedicados a algumas das
características desse mundo contemporâneo e de como podemos
pensá-las a partir de uma filosofia do martelo.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
DiversosO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...