CAPÍTULO 22

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O contemporâneo, o que é isso?

O termo contemporâneo se refere, a princípio, a um período

histórico (era contemporânea) pós-Revolução Francesa (1789). Os

americanos consideram a era contemporânea o período pósrevolução

americana (1776). De início, tratava-se de uma divisão

didática do tempo histórico, como Idade Antiga, Idade Média. Alguns

historiadores, hoje, questionam essa divisão dizendo, com razão,

que ela é bastante esquemática, e não se pode dividir a história em

períodos assim, o que é bem óbvio.

Quando se usa a expressão contemporâneo não se quer

falar de um período histórico (claro que o termo continua a se aplicar

à nossa época atual), mas de um modo de ser, um modo de viver, ou

seja, aplica-se a um conjunto de características que marcaria a nossa

época, e tem mais a ver com um tipo de comportamento do que com

um período de tempo específico. Por isso, pode-se dizer que um país

como o Brasil tem lugares que são mais contemporâneos que outros.

Uma forma fácil de entender o uso dessa expressão é ver

como a utilizamos como adjetivo em alguns casos. O adjetivo

contemporâneo é usado muitas vezes para um estilo de restaurante.

Um restaurante contemporâneo é um lugar descolado, chique sem

ser presunçoso. Não só pela comida, mas pela decoração ou cenário,

e, acima de tudo, pelo tipo de pessoa que o frequenta e trabalha nele.

A analogia com um restaurante é didática tanto para o bem

quanto para o mal. Toda forma didática de explicar uma coisa

implica a perda de nuances (lado negativo) e, ao mesmo tempo, o

modo urgente de esclarecer uma coisa (lado positivo) para gente

contemporânea que está sempre com pressa, não porque ela seja uma

desgraçada, mas porque tem um mundo que espera por ela para

acontecer. Logo, se ninguém espera por você para que aconteça

alguma coisa é porque você está meio mal...

Voltando ao restaurante. Menu variado, de vários países,

mistura de sabores. Se tiver caça no meio, melhor ainda. Não pode

faltar comida para gente chatinha que tem medo de comer qualquer

coisa que não seja verde e que tenha sangue nas veias. O ambiente

deve ser meio apertadinho para que as pessoas rocem umas nas

outras e fiquem, de repente, com um pouco de tesão. Música, jamais

nacional. Música nacional deixa tudo com ar de escola de samba.

Brega, mesmo que muito europeu adore quando está bêbado. A

música pode ser uma mistura de jazz, blues e uma pitada de clássico.

O pessoal que serve deve estar de preto e branco, deve ser jovem, e

também gente que você comeria se pudesse. Acima de tudo, deve ser

simpático, mas jamais dando a ideia de que você é de classe social

acima da dele. Todos trabalham ali para pagar o curso de teatro ou a

faculdade, porque não querem pedir grana para os pais – mesmo que

sejam duros, devem parecer que trabalham lá por opção, já que o

mundo contemporâneo é obcecado por esse mito chamado escolha. E

esses jovens jamais devem dar trela para o cliente. Um ar blasé é

essencial para qualquer pessoal que seja (ou queira parecer) chique.

Tanto o menu quanto a carta de vinhos devem ser curtos. Muita

opção num restaurante é brega. Jamais fotos dos pratos – isso é para

restaurante que serve analfabetos. O chef deve ser famoso e ter um

nome pouco comum. Até pode ser Raimundo, mas só se for

Raimundo Dupré, ou algo assim. Outra coisa essencial: esses

restaurantes nunca devem usar iPads ou celulares para anotar os

pedidos. Fim da picada de terceiro-mundismo.

Existe uma versão feia do contemporâneo em termos de

restaurante: a famosa praça de alimentação, um lugar que você

jamais deve frequentar por opção. Se frequentar é porque já não tem

muita opção na vida. Nada mais deprimente do que mesas grandes

com gente da firma na hora do almoço. Caras com cara de derrotados,

minas com cara de quem jamais perderá peso. Caras que nem se

aventurariam a comer uma das colegas de trabalho. Minas que

sonhariam que alguém quisesse comê-las no trabalho, mas que

nunca vai rolar. Praça de alimentação onde você vê comida japonesa,

mexicana, chinesa, da fazenda, e também hambúrgueres (deixando

aquele cheiro de cozinha suja no ar). Mesmo que na praça tenha um

balcãozinho de comida baiana, ainda é triste.

A analogia com restaurantes nos ajuda porque mostra

muito o que significa ser contemporâneo: muita coisa diferente junto

uma da outra, com os incômodos e as soluções descoladas para isso.

A pressa é a marca essencial do contemporâneo. A forma ideal de

vivê-la é com leveza. Como se a pressa fosse um elemento da

natureza. Como você a enfrenta diz muito de onde você está na cadeia

alimentar desse mundo.

Os capítulos seguintes serão dedicados a algumas das

características desse mundo contemporâneo e de como podemos

pensá-las a partir de uma filosofia do martelo.

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now