É possível um mundo em que todos são iguais? O blá-blá-blá da desigualdade
social
Outra mania do mundo contemporâneo é a história da justiça social,
o que hoje é chamado de o problema da desigualdade. Espanta-me
como pessoas que sabem as quatro operações da aritmética podem
falar que existe desigualdade social como se isso fosse um problema
da realidade. Explico.
Só haverá igualdade social quando todos voltarem a ser
pobres, como sempre fomos. Países como Suécia e afins só têm uma
grande classe média rica porque o Estado distribuiu durante muito
tempo a grana que ganhou fora da Suécia e, em lugares onde a
desigualdade poderia existir.
Mesmo quando se fala que existe 1% cada vez mais rico
(thomaspikketysmo), esquece-se que pouco importa se alguém tem
100 BMWs; o importante é que mais gente consiga comprar um Gol
ou carro semelhante. O problema não é a desigualdade mas a pobreza,
e esta só é resolvida com a sociedade de mercado, como deixa claro
Harry G. Frankfurt em seu On inequality, de 2015. O mundo nunca foi
tão rico. A causa dessa lenga-lenga de desigualdade social é porque
nunca foi tão rico e agora, com a mentalidade dos direitos, as pessoas
passaram a achar que riqueza é um direito.
Veja bem: o mundo é uma merda e sempre foi. Mas o
capitalismo o deixou um pouco menos pior em termos materiais (e
com isso me refiro, inclusive, a medicina, celulares e democracias),
apesar de que continua em grande parte uma merda. Os bonitinhos
que gostam de brincar de riquinhos do bem gostam de dizer que o
problema é da desigualdade social.
Como diz Frankfurt, precisa-se de mais capitalismo
porque é a única forma de produzir riqueza. Acontece que esse
mundo da produtividade (já tivemos chance, antes, de apontar alguns
de seus sintomas indesejáveis) revela o Mr. Hyde (o monstro da
novela O médico e o monstro, de Stevenson) que existe na humanidade.
Riqueza é produzida, muitas vezes, de forma não muito bela. E tenha
certeza de que quem brinca de boicotar produtos chineses não precisa
pagar barato pelo que compra. A única forma de ver a verdade é
quando alguém deve gastar o dinheiro que não tem. Enquanto existe
dinheiro, existe esperança de felicidade e marketing moral.
Apesar dessa dimensão Hyde do capitalismo, que é
verdadeira, e talvez seja isso mais uma tragédia, a solidariedade
nunca pagou as contas nem fez a medicina avançar, mesmo que
alguns idiotas fora do normal digam que sim.
E existe mais um problema aqui: as pessoas não são
iguais. A igualdade deve existir diante da lei, mas acaba aí. Algumas
pessoas são mais inteligentes, mais disciplinadas, acordam mais
cedo, têm mais saúde, nasceram em famílias melhores, e isso nada
tem a ver com justiça social. Essa moçada da igualdade social é
movida pelo velho ressentimento. Não há como zerar a contingência.
Às vezes, a diferença é apenas a saúde para trabalhar mais e melhor.
Ou um caráter obsessivo que torna você mais focado. Às vezes,
sofre-se mais sendo competente do que um incompetente simpático
que anima festas e posa de sensível. Já que não faz nada, está sempre
de bom humor. E o pior é que, ao tentar negar esse fato (que alguns
poucos são melhores do que muitos), o resultado será a igualdade
social na mediocridade. A maior parte da humanidade sempre foi
menos capaz. Isso nada tem a ver com violência ou racismo.
Aristóteles já falava da grande alma, aquela com mais virtudes e com
quem muitas pessoas viviam. Hoje, está na moda negar isso; a
educação até mesmo agoniza sob essa ideia de igualdade. O fato de
que todos devem ter direito à educação básica e saúde básica (se a
sociedade for rica o bastante para gerar isso) não significa que os
alunos sejam todos iguais em potencial e virtudes. Muitas vezes, a
inteligência faz de você uma pessoa mais cruel, menos feliz, menos
simpática. A generosidade de alma não necessariamente vem
acompanhada de sofisticação do pensamento.
Enfim, a negação de que a desigualdade seja parte da
sociedade de mercado, aquela mesma que produziu o menor nível de
pobreza conhecido na história da humanidade (e lembre que agora
somos 7 bilhões querendo ser felizes e ter direitos), é típica do
mundo contemporâneo riquinho. Eis uma das maiores contradições
do capitalismo: ele melhorou a vida de milhões de pessoas que
agora, mimadas, dizem que todos deveriam ter direito a BMWs.
Não acredito que o capitalismo dure para sempre. Nada
dura para sempre. Daqui a mil anos, talvez num mundo mais pobre,
se fale de uma época de leite e mel no passado em que as pessoas
tinham tudo o que queriam, mas a ganância destruiu esse mundo. Eu
suspeito que quem terá destruído esse mundo (visto como um
paraíso por um futuro mais pobre) será a cultura dos direitos, que
nos torna incapazes de acordar cedo e enfrentar o fato de que a vida
não tem garantias. Quem sabe voltemos aos pecados capitais (e
percebamos que um dos problemas sociais de hoje seja a preguiça
travestida de crítica social) porque eles permanecem mais
contemporâneos do que fetiches como luta de classes.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
RandomO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...