CAPÍTULO 27

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É possível um mundo em que todos são iguais? O blá-blá-blá da desigualdade

social

Outra mania do mundo contemporâneo é a história da justiça social,

o que hoje é chamado de o problema da desigualdade. Espanta-me

como pessoas que sabem as quatro operações da aritmética podem

falar que existe desigualdade social como se isso fosse um problema

da realidade. Explico.

Só haverá igualdade social quando todos voltarem a ser

pobres, como sempre fomos. Países como Suécia e afins só têm uma

grande classe média rica porque o Estado distribuiu durante muito

tempo a grana que ganhou fora da Suécia e, em lugares onde a

desigualdade poderia existir.

Mesmo quando se fala que existe 1% cada vez mais rico

(thomaspikketysmo), esquece-se que pouco importa se alguém tem

100 BMWs; o importante é que mais gente consiga comprar um Gol

ou carro semelhante. O problema não é a desigualdade mas a pobreza,

e esta só é resolvida com a sociedade de mercado, como deixa claro

Harry G. Frankfurt em seu On inequality, de 2015. O mundo nunca foi

tão rico. A causa dessa lenga-lenga de desigualdade social é porque

nunca foi tão rico e agora, com a mentalidade dos direitos, as pessoas

passaram a achar que riqueza é um direito.

Veja bem: o mundo é uma merda e sempre foi. Mas o

capitalismo o deixou um pouco menos pior em termos materiais (e

com isso me refiro, inclusive, a medicina, celulares e democracias),

apesar de que continua em grande parte uma merda. Os bonitinhos

que gostam de brincar de riquinhos do bem gostam de dizer que o

problema é da desigualdade social.

Como diz Frankfurt, precisa-se de mais capitalismo

porque é a única forma de produzir riqueza. Acontece que esse

mundo da produtividade (já tivemos chance, antes, de apontar alguns

de seus sintomas indesejáveis) revela o Mr. Hyde (o monstro da

novela O médico e o monstro, de Stevenson) que existe na humanidade.

Riqueza é produzida, muitas vezes, de forma não muito bela. E tenha

certeza de que quem brinca de boicotar produtos chineses não precisa

pagar barato pelo que compra. A única forma de ver a verdade é

quando alguém deve gastar o dinheiro que não tem. Enquanto existe

dinheiro, existe esperança de felicidade e marketing moral.

Apesar dessa dimensão Hyde do capitalismo, que é

verdadeira, e talvez seja isso mais uma tragédia, a solidariedade

nunca pagou as contas nem fez a medicina avançar, mesmo que

alguns idiotas fora do normal digam que sim.

E existe mais um problema aqui: as pessoas não são

iguais. A igualdade deve existir diante da lei, mas acaba aí. Algumas

pessoas são mais inteligentes, mais disciplinadas, acordam mais

cedo, têm mais saúde, nasceram em famílias melhores, e isso nada

tem a ver com justiça social. Essa moçada da igualdade social é

movida pelo velho ressentimento. Não há como zerar a contingência.

Às vezes, a diferença é apenas a saúde para trabalhar mais e melhor.

Ou um caráter obsessivo que torna você mais focado. Às vezes,

sofre-se mais sendo competente do que um incompetente simpático

que anima festas e posa de sensível. Já que não faz nada, está sempre

de bom humor. E o pior é que, ao tentar negar esse fato (que alguns

poucos são melhores do que muitos), o resultado será a igualdade

social na mediocridade. A maior parte da humanidade sempre foi

menos capaz. Isso nada tem a ver com violência ou racismo.

Aristóteles já falava da grande alma, aquela com mais virtudes e com

quem muitas pessoas viviam. Hoje, está na moda negar isso; a

educação até mesmo agoniza sob essa ideia de igualdade. O fato de

que todos devem ter direito à educação básica e saúde básica (se a

sociedade for rica o bastante para gerar isso) não significa que os

alunos sejam todos iguais em potencial e virtudes. Muitas vezes, a

inteligência faz de você uma pessoa mais cruel, menos feliz, menos

simpática. A generosidade de alma não necessariamente vem

acompanhada de sofisticação do pensamento.

Enfim, a negação de que a desigualdade seja parte da

sociedade de mercado, aquela mesma que produziu o menor nível de

pobreza conhecido na história da humanidade (e lembre que agora

somos 7 bilhões querendo ser felizes e ter direitos), é típica do

mundo contemporâneo riquinho. Eis uma das maiores contradições

do capitalismo: ele melhorou a vida de milhões de pessoas que

agora, mimadas, dizem que todos deveriam ter direito a BMWs.

Não acredito que o capitalismo dure para sempre. Nada

dura para sempre. Daqui a mil anos, talvez num mundo mais pobre,

se fale de uma época de leite e mel no passado em que as pessoas

tinham tudo o que queriam, mas a ganância destruiu esse mundo. Eu

suspeito que quem terá destruído esse mundo (visto como um

paraíso por um futuro mais pobre) será a cultura dos direitos, que

nos torna incapazes de acordar cedo e enfrentar o fato de que a vida

não tem garantias. Quem sabe voltemos aos pecados capitais (e

percebamos que um dos problemas sociais de hoje seja a preguiça

travestida de crítica social) porque eles permanecem mais

contemporâneos do que fetiches como luta de classes.

Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe PondéWhere stories live. Discover now