O narcisismo
O conceito psicanalítico de narcisismo é largamente conhecido.
Usando o mito grego de Narciso (o cara que se encanta com a própria
imagem e pula na água em busca dela, se afogando), Freud descreve o
que poderíamos chamar numa língua de mortais "o amor-próprio
constitutivo no Eu". Freud diz que existem dois tipos de narcisismo.
Um primário, normal, pelo qual todo mundo passa (a tal da célula
narcísica), é aquele em que o bebê se encontra em estado
indiferenciado – ele, a mãe e o mundo são a mesma coisa, cheia de
prazeres e desprazeres. Em seguida, existe o secundário ou
patológico. Esse é que tem interessado àqueles que estudam o
comportamento contemporâneo.
O narcisismo patológico é aquele que caracteriza as
pessoas que tiveram má experiência de narcisismo primário (a mãe e
o mundo a sua volta não eram legais) e, portanto, quando se rompe
essa célula narcísica, ele sai com baixa reserva de libido narcísica,
que é aquela libido (energia psíquica positiva) que se constitui
quando o bebê achava que tudo era ele e ele era tudo, numa espécie de
êxtase místico selvagem. Freud chega mesmo a usar a expressão (que
não era dele) "sentimento oceânico", para descrever o sentimento
dos místicos, dizendo que esse sentimento não passava de breve
retorno ao sentimento gostoso da célula narcísica bem-sucedida.
Uma pessoa narcísica é uma pessoa com baixíssima
autoestima. Sim, vou usar narcisismo como sinônimo de autoestima
para facilitar uma primeira e essencial compreensão do tema.
Ninguém tem uma autoestima plena (as tais feridas narcísicas). O
narcísico tem menos ainda e é um miserável afetivo. O narcísico é
aquele que, quando leva um fora, desmonta mais que o normal. É o
chato de quem ninguém gosta porque reclama que ninguém gosta
dele o tempo todo.
Mas tem uma coisa mais importante na personalidade
narcísica. Ele é incapaz de amar ou investir afetivamente no mundo;
ele precisa que os outros invistam nele o tempo todo e é uma pessoa
cansativa. A generosidade e a gratidão inexistem numa personalidade
narcísica. Incapacidade para o vínculo afetivo abundante é a marca de
uma cultura narcísica, típica do mundo contemporâneo. E será aí que
surgirá o narcisismo como categoria de análise do comportamento
contemporâneo. A cultura do narcisismo, título da obra do historiador
norte-americano Christopher Lasch, de 1979, inaugurou essa análise.
Mais recentemente, as obras de psicólogos como Jean M. Twenge e

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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
AcakO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...