O silêncio do mundo
O pior dos problemas: o que fazer com tanta gente feliz junta? No
filme Interestelar, num dado momento, o personagem principal
(interpretado por Matthew McConaughey) pergunta a seu sogro o
porquê de o mundo ter se transformado naquilo (aridez, pobreza,
poluição, retração econômica, ruralização). O sogro responde que 6
bilhões de pessoas querendo ser felizes não podia dar em outra coisa.
Não quero falar só do tema já desgastado da
sustentabilidade. É o desejo humano que é insustentável. A felicidade
vai destruir o mundo. Uma humanidade de 6 ou 7 bilhões de pessoas
felizes será a maior praga que já caminhou sobre o mundo. Nenhuma
das sete pragas sobre o Egito teve esse poder dissolutivo. Como
numa espécie de alucinação, marchamos sempre em frente, supondo
que a felicidade, entendida como realização de nossos desejos
individuais (como dissemos no momento em que discutíamos o
hedonismo contemporâneo), seja sustentável.
Uma das principais indagações acerca do futuro da
felicidade humana vem do evolucionismo (entre outras frentes
possíveis): será que uma espécie que não evoluiu num ambiente de
felicidade como realização do desejo individual suporta essa guinada
em direção ao átomo moral que é o sujeito?
Nossa evolução se deu num ambiente de deveres e não de
direitos. O próprio sucesso do capitalismo aconteceu graças à moral
dos deveres e não dos direitos. A felicidade do indivíduo nunca foi
critério para a sobrevivência da espécie. O bando original, cuja
última representação é a família, também em processo de dissolução,
deixou de ser a referência. A nova referência é o sujeito e seus gostos.
Nada garante que nossa espécie esteja adaptada à obsessão pela
felicidade individual.
Quando me perguntam por que eu pareço desprezar a
minha época, lembro a conversa do personagem romântico
interpretado por Tom Cruise no filme O último samurai. O coronel,
detestado pelo capitão Nathan Algren (Tom Cruise), pergunta a razão
de ele desprezar tanto seu próprio povo (no caso, a civilização
violentamente moderna e mercantilista dos EUA). Eu não tenho
nenhuma dúvida sobre a potência do capitalismo em produzir
felicidade e qualidade de vida material na grandeza que produz.
Nenhum outro sistema conseguiu fazer isso. Minha dúvida é se nossa
espécie suporta tanta felicidade sem se tornar uma espécie
irrelevante. Espécie recém-chegada ao mundo, imagino, seguindo os
passos do filósofo inglês John Gray em seu The silence of animals, de
2013, que os outros animais nos contemplam do alto de seus
milhares e milhares de anos de adaptação a este mundo. Como diz
Gray, antes de nós, a inquietação constante dos neandertais deve ter
sido objeto de ceticismo por parte do silêncio desse mesmo mundo.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
De TodoO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...