Democracia, a palavra mágica da política contemporânea
Não tenho muita paciência para política. Como sempre digo, trato
dela assim como quem cuida de uma ferida para que não infeccione. A
necessidade da política é a prova de que a humanidade tem
dificuldade em sobreviver: não pode viver sem bando; para viver em
bando alguém tem de mandar e alguém tem de obedecer. Ainda que
mentirosos de todos os tipos digam o contrário.
A forma por essência da política contemporânea é a
democracia. Por ter sua soberania na chamada vontade popular ou no
povo, a democracia deságua na crença de que a sociedade carrega em
si alguma forma de verdade moral, já que ela é soberana. Esquece-se,
como eu dizia antes, que toda moral pública é hipócrita. Dito de
outro modo, o público é hipócrita e nada tem a ver com ideia alguma
de verdade. Na democracia, o que importa é a maioria e não a verdade
sobre coisa alguma. Mas isso Platão já sabia: o motivo de a
democracia esconder a hipocrisia da moral pública é porque a
democracia é sofista.
Em seu embate com os sofistas (aqueles caras que diziam
que a verdade não existe porque ela é apenas a vitória de um
argumento sobre o outro, portanto, retórica), Platão já apontava a
tendência de a democracia ser demagógica.
Antes que algum inteligentinho perdido na leitura deste
livro me acuse de antidemocrático, devo dizer que a democracia é, de
todos os regimes ruins em política, o menos pior, com certeza. E
para manter essa "vantagem" da democracia sobre seus sistemas
competidores, devemos lembrar suas fraquezas, coisa que o povo na
democracia, como já dizia Alexis de Tocqueville no século XIX em
sua visita aos Estados Unidos, não gosta de ouvir porque a
democracia na democracia é um dogma a ser amado.
Voltando a Platão: o problema, aqui, é que num regime
pautado por opiniões variadas, e pela contagem delas, o essencial é o
número. A democracia é um regime de quantidades, e os idiotas
(como dizia nosso brilhante Nelson Rodrigues) são sempre maioria.
Uma das faces dessa idiotice é supor que a transparência na gestão da
coisa pública, algo desejável num governo, implique a transparência
da verdade moral. Sempre que se afirma um valor em público, essa
afirmação é, em grande medida, uma farsa a serviço do resultado
esperado em termos de contagem de votos a favor ou contra o que
você quer.
Outro motivo para a democracia ser parceira da hipocrisia
pública é sua dependência da adulação da opinião pública. Isso afeta
desde os candidatos numa eleição (política agora é marketing) até
artistas que vendem música: todos devem adular a opinião pública se
quiserem conseguir o que almejam – a saber, o sucesso. Essa opinião
pública nem sempre é só uma questão de números grandes; muitas
vezes é uma questão de quem consegue influenciar mais pessoas. Os
tais fazedores de opinião, como eu. Quando você lê este livro, eu
estou, em alguma medida, influenciando sua opinião. A diferença
entre mim e outro qualquer é que eu não tenho nenhuma causa, e isso
me torna, de certa forma, um pouco menos retórico no que escrevo e
falo. Num mundo em que todos concordam em ser bons, há sempre
algo errado. Por isso, não faço filosofia para realizar bem algum;
faço porque gosto.
Essa dependência da opinião pública, que leva todos a
adular os idiotas, faz da democracia um simples regime de mercado.
Ela é, na verdade, um mercado de opiniões a serem defendidas
(compradas) ou recusadas (não compradas). A tendência da mentira
na democracia é, no limite, uma tendência ao marketing. O que conta
na democracia é a aparência. Não por acaso os defensores dela na
Grécia eram os sofistas, os mesmos caras que, como eu disse antes,
negavam a existência de qualquer verdade e reduziam o
conhecimento à retórica. Então, quando ouço alguém gritar contra a
mentira na democracia, sempre sinto um cheiro de Papai Noel no ar.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
RandomO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...