Uma cultura de direitos e não de deveres
O escritor tcheco Milan Kundera, exilado da antiga Tchecoslováquia
comunista na França, comenta em um de seus livros (A imortalidade)
que impressionava a ele a capacidade de os ocidentais acreditarem
que a vida é pautada por direitos. O que ele queria dizer com isso?
Para Kundera, o europeu ocidental supunha que, se queria comida,
ele tinha direito a comida. Se ele queria amor, ele tinha direito a
amor. Se ele queria o sol, ele tinha direito a sol. Enfim, para esse
ocidental, a sociedade era definida como um sistema que deveria
produzir para ele. Ledo engano. O que Kundera percebeu é que o
europeu ocidental se tornara um mimado, que acha que os direitos
são algo garantido. Na vida, como já discutimos antes, nada é
garantido.
O filósofo holandês Andreas Kinneging percebeu a mesma
coisa que Kundera. Em sua obra Geografia do bem e do mal, ele
identifica muito bem a psicologia presente na mente contemporânea
que pressupõe ser a vida uma questão de direitos humanos ou civis
adquiridos. Antes, um reparo: nem Kundera nem Kinneging nem eu
somos contra direitos. Ao contrário, pensamos que, quando achamos
que os direitos são naturais e gratuitos, colocamos em risco a
delicada economia (e lembre o que eu disse anteriormente sobre a
economia ser a ciência da escassez) que sustenta a sociedade rica
ocidental, capaz de bancar esses direitos. Kundera, que vivera no
regime comunista (aliás, a maior picaretagem da história, coisa que
no Brasil ainda se acredi ta, sobretudo a comunidade acadêmica),
sabia muito bem que a vida é precária e que os europeus haviam se
esquecido disso, graças à grana americana jogada na Europa para
impedir que a tragédia comunista engolisse a Europa inteira.
Kinneging percebe que há uma diferença psicológica entre
quem pensa em termos de direitos e quem pensa em termos de dever.
O mundo contemporâneo pensa em termos de direitos. Esse mundo
rico, capitalista bem-sucedido, de gente jovem, saudável, narcisista,
que tem poucos filhos e anda de bike. A psicologia dessa gente é: o
mundo me deve. Eles operam a partir do que o outro deve prover e
não do que eles devem prover. O narcisismo discutido acima é claro
na mente de quem pensa em termos de direitos. Ao passo que quem
pensa em termos de deveres, pensa em como fazer para que as coisas
aconteçam. É evidente que um mundo não pode se sustentar em cima
de uma psicologia inundada pela lógica dos direitos, porque, como
se sabe há muito tempo, essa lógica é a lógica dos que não têm
caráter.
Se pensarmos no que nos diz Twenge sobre a generation
me, muitos jovens têm sido educados sob o manto de que a vida dá
certo e a felicidade é um direito. O fracasso e o ressentimento seguem
seu curso quando a idade chega e a realidade mostra seu enorme grau
de indiferença para com todos nós.
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
De TodoO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...