Hedonismo
A palavra hedonismo é sua conhecida. Você deve entendê-la mais ou
menos assim: viver segundo o prazer. Ou viver realizando meus
desejos. Ou terapia de shopping. Ou comer todas as gostosas do
mundo. Ou ser a mais gostosa do mundo. Se você entender essa
palavra dessa forma, o faz pela transformação radical de significado
pela qual ela passou desde que foi usada pela primeira vez na Grécia
antiga. Hedone em grego antigo significa prazer. A questão é: o que
queria dizer prazer para um filósofo como Epicuro na Antiguidade
grega?
Para os gregos, as paixões e os desejos eram tormentos. A
ética buscava o repouso, a tranquilidade da alma, a ausência de
paixões e desejos. Isso eles chamavam de hedone. O pathos (paixão,
doença, sofrimento) era aquilo a ser evitado. Dito de forma direta:
prazer era não ter desejos nem paixões. Era viver com o mínimo.
Algo meio parecido com o que hoje se chamaria ser zen no sentido
comum da palavra, uma pessoa que domou os desejos e superou os
apegos sensoriais do gozo da vida. A ideia é que desejar implica
escravidão. A ideia não é absurda e tampouco distante do nosso
mundo contemporâneo, em que somos mesmo escravos do desejo,
mas não chamamos esse estado de desapego de prazer. Prazer, para
nós, é realizar nossos desejos, é ser apegado ao desejo e às paixões, o
que para um grego era querer viver no inferno.
A distância entre nosso prazer e o deles é enorme, e aponta
para toda uma concepção distinta de vida e de valores. Eles queriam
paz num mundo que não era pautado pela produção crescente e
alucinada como o nosso. É aí que reside toda a diferença. A riqueza
material de nosso mundo nos condena ao crescimento alucinado de
nossas necessidades e nossos desejos. Então, quando se fala em
hedonismo hoje estamos muito longe da origem do termo. O excesso
de demandas ao nosso desejo nos torna capazes de entender o que era
prazer para um grego, mesmo que chamemos isso de ser desapegado
ou meio espiritualizado. A verdade é que o inferno do desejo
continua sendo algo que conseguimos entender até hoje. A sociedade
de mercado em que vivemos é sustentada num contínuo desejo
insatisfeito, do contrário a economia para.
Quanto ao hedonismo para nós, ele acabou por assumir
uma ideia de ter uma vida estética, no sentido de autores como
Nietzsche, Kierkegaard ou Camus – ou seja, o sentido da vida é gozar
dela, já que não há garantia de nada além da vida no mundo em que
vivemos. A palavra estética, aqui, nada tem a ver com arte, mas sim
com sensação (seu sentido originário em grego antigo). Ter uma vida
estética é buscar viver sentindo as coisas gostosas da vida: sexo,
comida, bebida, viagens, consumo, e coisas assim. Muitos criticarão
a vida estética, inclusive o próprio Kierkegaard (ele a chamava de
dom-juanismo, em referência ao personagem que seduzia milhares
de mulheres sem conseguir ter prazer definitivo com nenhuma
delas), na medida em que a vida estética fracassaria porque nos
levaria ao tédio. Você não acha, em alguma medida, aplicável a quem
acredita que viver dependendo do consumo pode levar ao tédio?
O problema do hedonismo contemporâneo é em que
medida ele não nos leva de volta à escravidão do desejo, como
temiam os gregos; a um prazer efêmero e dependente do mundo a sua
volta... enfim, quantas vezes você já tentou esquecer os sofrimentos
da vida transando, ou comprando, ou bebendo? Funcionou? Para
apreciadores do sexo frágil e dos prazeres que ele carrega entre suas
pernas, pode valer a pena...
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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
RandomO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...