A cadeia alimentar como modelo profundo da vida social
O mundo contemporâneo é violento, apesar de muita gente posar de
blasé nele. A violência advém da fluidez (ou do líquido que marca o
mundo atual, nos termos do sociólogo Zygmunt Bauman) que
permeia todas as relações. Tudo é commodity e pode ser vendido,
inclusive você. Não se engane: se ninguém quiser consumi-lo não é
porque você venceu a "mercadoria" que permeia o mundo do
capitalismo tardio, como diz o filósofo Theodor Adorno no século
XX, mas porque você não vale nada. A diferença é o valor de uso que
você tem em cada um dos mercados em que atua (não há relativismo
de valores de fato; o dinheiro é o único valor que não é relativo entre
nós). O valor profissional é o mais evidente. Por exemplo, se você
trabalha no que gosta, seu lugar na cadeia alimentar é sempre
especial porque o fato de optar pelo trabalho que tem já diz que você
tem poder de barganha nas relações profissionais, por isso a moçada
picareta do capitalismo consciente – da qual falei antes – gosta de
dizer que buscar significado no trabalho é uma marca revolucionária
dos jovens. Coisa nenhuma: viver experimentando significado na
vida (coisa que os românticos já tinham falado no final do século
XVIII, como eu disse anteriormente) é um luxo na cadeia alimentar
contemporânea. E por uma razão simples: como vimos antes, a busca
de significado na vida é o "x" da questão humana. Num mundo
marcado pela produtividade como o nosso, quem produz
experimentando significado na atividade que exerce já está bem na
cadeia alimentar. Está mais para leão que para coelhinho.
Perceber o mundo como cadeia alimentar é percebê-lo
numa chave darwinista. Aprecio muito o darwinismo, entre outras
razões, porque considero o Alto Paleolítico (cerca de 30 mil anos
atrás) o período áureo da humanidade. Éramos poucos, com uma
logística leve, sem luxos e organizações políticas complexas,
conhecíamos muito mais nossas necessidades, e éramos muito mais
ágeis do que esses macacos que babam em cima das tecnologias da
informação. E nossas crianças eram muito mais inteligentes. E nossas
mulheres menos histéricas. E os homens menos mesquinhos.
Antes de tudo, acho a imagem da cadeia alimentar útil
para entender a vida porque ela trai a verdadeira estrutura política
por detrás de toda ordem política. E também porque o mundo
contemporâneo é um mundo sem metafísica. Mesmo quando se faz
metafísica nele, trata-se de metafísica centrada no ego, logo, uma
metafísica narcisista. E tudo o que é narcisista não tem fôlego: o
narcisista é alguém sem ar. Como eu dizia antes, a violência da ordem
produtiva – da qual não podemos escapar porque queremos ser
felizes material e espiritualmente, e o espírito custa mais caro do que
a matéria – está em toda parte. Na atomização das famílias, na
efemeridade dos vínculos, na infertilidade das mulheres, na covardia
interesseira dos homens. Pelo fato de sermos condenados a produzir
uma vida descolada da realidade material objetiva, porque nosso
desejo é infinito, vivemos num mundo em que a vida como cadeia
alimentar toca as estrelas. O mercado da espiritualidade
contemporânea, sempre a serviço dos projetos do self, trai a
escravidão, a vida selvagem que nos atormenta em nossos pesadelos
e que faz nos sentirmos inseguros em qualquer lugar, porque
sabemos que, no fundo, não valemos nada. Alguém sempre pode
valer mais. Construímos um mundo muito complexo em sua
organização, mas continuamos a ser o animal acuado da pré-história.

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Filosofia para Corajosos- Luiz Felipe Pondé
SonstigesO objetivo deste livro é ajudar o leitor a pensar com a sua própria cabeça. Para tal, o filósofo e escritor Luiz Felipe Pondé, autor de vários best-sellers, se apoia na história da filosofia para apresentar argumentos para quem quer discutir todo e...