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  A primeira coisa que Liv notou, através dos arbustos que Rollo afastara para o lado, foi o fiorde

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  A primeira coisa que Liv notou, através dos arbustos que Rollo afastara para o lado, foi o fiorde. A vista do alto contemplava não só o céu azul e límpido mas as fileiras de montanhas, que eram cortadas por um rio sinuoso e prateado, desaguando numa praia deserta e repleta de embarcações. Entre os modelos Liv reconheceu um drakkar e outro tipo, maior e mais largo, um navio comercial.

Foi a primeira vez que Liv tomou completa e total consciência de que estava muito, muito longe de casa, e também foi a primeira vez que ela não se sentiu compelida a entrar em desespero ao perceber esse fato. Toda aquela vista, as montanhas desenhando o céu, o rio de águas calmas e o verde que começava a timidamente a tomar espaço a deixaram hipnotizada demais para sentir medo. O deslumbre era o único sentimento preenchendo seu corpo.

Ela deixou um suspiro impressionado escapar, piscando lentamente. Fez o movimento até o pescoço, buscando sua câmera fotográfica, como sempre fazia quando queria eternizar algo que desejava jamais esquecer. Quando agarrou apenas o vazio e não encontrou sua câmera, Liv saiu do torpor, um pouco desapontada. Seus olhos deslizaram do fiorde para Rollo, que a encarava com um sorrisinho entre os lábios.

- Impressionante, não é?

Liv concordou com um aceno.

- Acredito que nunca tenha visto algo parecido, pela expressão em seu rosto.

- Não – Lívia admitiu. Abraçou a si mesma por causa do vento frio. De repente, toda a exaustão de estar a quase dois dias sem dormir e comer a atingiram. Ela não fazia ideia de como ainda conseguia se manter em pé, mas descobriu que isso duraria por pouco tempo, já que estava começando a sentir suas pernas fraquejarem.

- Vamos, você precisa comer. Está pálida.

Rollo girou nos calcanhares e foi descendo a encosta, a floresta ia ficando mais densa e as árvores mais baixas e grossas a medida que eles se aproximavam da cidade. Liv já podia ouvir o tão conhecido barulho de pessoas, vozes se misturando, cavalos e carroças...

- Onde vamos ficar? – Liv quis saber, caminhando ao lado de Rollo. Eles tinham deixado a floresta para trás e caminhavam pelo caminho de terra batida que os levaria até onde a massa de pessoas se reunia. Era uma espécie de feira ou centro comercial, com barracas que vendiam de tudo, desde comida a objetos precisos e animais.

 Liv e Rollo chegaram a tempo para presenciar a venda de algumas galinhas.  

 - Vamos ficar na minha casa – Rollo virou-se para ela, depois apontou para algum lugar sem se preocupar em ser específico: - É naquela direção, mas antes precisamos comprar algumas coisas, há algum problema?

- Não, de jeito nenhum – ela respondeu ansiosa. Mordeu o canto interior da boca e fez a pergunta rondando sua mente antes que sua coragem se diluísse. – Mas e a sua mãe? Ela não vai criar problemas?

Rollo perdeu um pouco do bom humor, mas se esforçou para responder sem ser rude, enquanto tomava a frente:

- Ela vive numa fazenda com os gêmeos.

Liv preferiu apenas assentir, e seguiu Rollo pelas barracas. A feira parecia um labirinto, apesar de ser relativamente pequena. O cheiro de carne crua e suor misturados no ar abafado também não era dos mais agradáveis. No entanto, não foi uma experiência completamente ruim, já que ninguém ali estava prestando atenção na inglesa. Com aquelas roupas de escrava, ela conseguia facilmente se misturar, mesmo que na aparência sua pele fosse consideravelmente mais escura e seus traços não a deixassem enganar ninguém sobre sua descendia estrangeira.

Liv foi capaz de observar tudo sem sentir medo de receber ameaças ou ser acusada de algum mal que estava se alastrando pela cidade. Era, na verdade, interessante poder presenciar de perto tudo aquilo que tinha lido sobre os vikings em livros, e poder optar no que os arqueólogos acertaram e erraram. Se fosse Cam ali no lugar dela, o melhor amigo de Liv provavelmente já teria desmaiado de emoção. Rollo o teria odiado de primeira, e isso fez com que Liv risse, imaginando um diálogo entre o homem nórdico e Cam.

Enquanto Rollo negociava o valor de um peixe, Liv andou por perto, sem nunca sair da linha de visão dele. Estava experimentando a gostosa sensação de enfiar as mãos dentro de um saco de sementes quando um grito de dor chamou sua atenção.

A inglesa procurou a fonte do ruído, e não demorou para encontrá-la. Vinha de uma tenda suja, maior que as outras barracas, onde uma fila de pessoas em um estado de conservação inumano e precário se organizava. Enquanto isso, dois homens claramente ricos discutiam preços. No chão, uma mulher gritava, aos prantos, chamando pelo filho. A dor daquela senhora de vestes rasgadas e sujas fez com que a garganta de Liv se fechasse. Porque ela estava sofrendo tanto? 

Lívia estava prestes a ir até a mulher quando sentiu alguma coisa nos seus pés. Ao olhar para chão se viu cercada por um mar de batatas, agora sujas de lama. Um homem, segurando uma bacia de madeira vazia, encarava Liv como se ela fosse uma pedra raríssima que ele tinha acabado de achar. Quando os olhares de ambos se encontraram, o homem se agachou no chão.

Primeiro, Liv pensou que estava tentando juntar as batatas, mas ele não fez movimento algum na direção delas. O homem de cabelos brancos e aparência cansada simplesmente se agachou, inclinando o corpo para frente, e ficou naquela posição pelo o que pareceu uma eternidade. Um pouco constrangida, Liv tentou encontrar Rollo no meio da multidão, mas não teve sucesso.

- Senhor, você está bem? – ela perguntou depois de se ver sem outra saída. Queria ajudá-lo, se estivesse ao seu alcance.

O homem replicou algo tão baixinho que Liv não entendeu sua resposta. Ele não parecia estar falando sequer nórdico ou inglês. Repetia as palavras com pressa desesperada, lágrimas rolando dos olhos para o seu rosto desgastado e lábios rachados. Agarrou os calcanhares de Liv e suplicou. A estrangeira não conseguia compreendê-lo, mas não teve dúvidas que se tratava de uma súplica. Por meio segundo, ela não teve reação ao não ser encará-lo com receio. Não conseguia pensar com aquele homem agarrando seus joelhos e implorando por ajuda como se ela fosse uma divindade.

Ao perceber que as pessoas estavam começando a voltar a atenção para aquela cena, Liv tentou afastar-se dele, que continuava sua prece sem se importar em agarrar com seus dedos magros a perna da mulher, irredutível em soltá-la.

Um dos comerciantes, o dono da barranca de batatas, reconheceu o velho imundo e foi marchando até ele, gritando ordens e apontando o dedo.

- Escravo inútil – cuspiu o gordo comerciante, chutando o senhor na barriga, arrancando dele um grito esganiçado de dor. Não satisfeito, desferiu mais chutes e murros até o homem sucumbir e seu corpo estremecer antes de desmaiar.

Liv levou apenas alguns segundos para absorver tudo e compreender a situação enquanto observava o senhor ser punido. O homem era um escravo e era desse modo que eles eram tratados. Ela desviou seu olhar para a mulher que alguns minutos atrás estava em prantos, prestou atenção em todos eles esperando para serem analisados pelos compradores, observou suas roupas puídas, os rostos castigados...

Imortais - O segredo dos deusesOnde histórias criam vida. Descubra agora