— A lareira ainda está quente — Brynja notou, sua mão deslizando no ar por sobre as cinzas da lareira apagada, no centro do cômodo.
— Se Cellíope realmente partiu, não faz muito tempo — Anneke complementou o raciocínio da irmã, aproximando-se dela. – Talvez ainda possamos alcançá-la.
— Talvez — Brynja ponderou. — Lívia, o que você acha?
Liv suspirou pesadamente, massageando as têmporas.
E se fosse tarde demais quando eles encontrassem Cellíope?Lançou um olhar preocupado a Rollo, agora devidamente ajeitado na cama que Cellíope tinha deixado para trás. Em qualquer outra situação, ela acharia hilário o fato de metade das pernas dele ficarem para fora da cama, como se fosse um gigante tentando se acomodar no colchão de um anão. No entanto, tirar algo engraçado daquela situação era a última coisa que ela conseguiria, mesmo se tentasse.
— E quem iria procurar por ela? — a inglesa questionou. — Está escuro lá fora, não vai ser uma tarefa fácil, vai levar tempo. E nós não temos tempo.
— Eu posso encontrá-la — Brynja prontamente se ofereceu. — Sou boa em rastrear pessoas pela floresta, e tenho quase certeza que Cellíope preferiu ir pela mata, não pela estrada. Se ela estiver por aí, eu vou encontrá-la o mais rápido possível.
Liv balançou a cabeça, ainda incerta se essa era a melhor opção.
— E até lá? O que eu faço? E se Rollo não resistir? — a pergunta lhe encheu de pedras na garganta. Ela abraçou a si mesma e começou a andar de um lado para o outro. Queria achar outra saída, estava desesperadamente forçando sua mente a pensar em algo, mas não encontrava nada. Era frustrante.
Brynja se aproximou da inglesa e a segurou pelos ombros. Sua intenção era dar apoio, mas seu toque foi bruto e transformou suas palavras em quase uma ameaça:
— Você não vai deixá-lo morrer — Brynja disse usando sua voz de Condessa, como se fosse uma ordem. A inglesa a encarou, um pouco surpresa. Ela imediatamente suavizou o tom de voz, libertando Lívia do seu aperto. — Pense em algo, Liv, simplesmente pense. Nós não temos outra escolha. Não há outra pessoa que possa nos ajudar, ninguém que seja confiável.
— Muito bem, então. Eu ficarei aqui, tentando salvá-lo, e você encontra Cellíope — Lívia mordeu o canto interior da boca, sentindo o seu coração bater pesado, cheio de preocupação, ressentimento e medo. — Eu... eu pensarei em algo. Estou pensando em algo.
— Vou ser rápida — Brynja prometeu. Andou até a soleira da porta com urgência, mas interrompeu-se por um breve momento, olhando para trás. — Não o deixe morrer, Liv. Por favor.
As duas compartilharam um rápido olhar de compreensão. A inglesa sorriu com tristeza.
— Eu não vou, prometo — Liv sussurrou, odiando a si mesma por não poder dizer as palavras com mais firmeza.
Uma parte de si sabia que Rollo não poderia morrer, ele ainda tinha um papel importante a cumprir na História. Porém, Liv não tinha certeza se a presença dela mudava alguma coisa, se suas ações faziam parte do percurso natural ou interferiam. Era difícil dizer quando sabia tão pouco.
A porta se fechou com um estalo severo depois que Brynja se foi. Liv andou até Rollo e se agachou ao seu lado, cenho e lábios franzidos em preocupação. Ele continuava gelado como a morte. O torniquete não estava ajudando muito, não iria mantê-lo a salvo por muito tempo. Liv pegou as mãos dele e as encostou na sua testa, procurando por inspiração.
Pense, Liv, pense. Qualquer coisa vai ajudar. Sabe a resposta, está na sua mente, você só precisa encontrá-la...
O que poderia ser feito para estancar o sangramento de uma vez por todas? Essa era a pergunta mais urgente. Liv sentiu um calafrio. A casa estava fria, porque a lareira tinha sido apagada... A lareira. O fogo!
Ela de repente abriu os olhos.
— Anneke, precisamos de lenha, precisamos acender essa lareira — Liv se pôs de pé, inclinando-se sobre o corpo desmaiado de Rollo. Pegou a espada que ele levava consigo e desembainhou-a. Era longa e incrivelmente pesada, mas serviria. Também achou a adaga que Rollo levava presa ao calcanhar, e usou-a para cortar as roupas dele.
A blusa rasgada revelou o corpo tatuado do nórdico, desenhos feitos com tinta preta em um padrão de arte hipnotizante, diferente de tudo que ela conhecia. Lembrou-se da primeira vez que ele tirara a camisa na sua frente, quando Liv pediu que o viking deixasse a tenda para que pudesse se trocar. Rollo se recusara a sair e tirara a blusa, oferecendo que ambos ficassem sem roupa.
Liv lembrava-se de achar que aquele homem era completamente insano, e que ela jamais o compreenderia. Surpreendeu-se ao perceber que muito dessa primeira impressão não existia mais.
Suavemente, ela seguiu os desenhos na pele de Rollo com a ponta do dedo. Ele tinha um sol no braço que não estava ferido, um dragão que começava nas costas e terminava na cintura. Se não estivesse tão preocupada em salvar a vida dele, Liv teria parado por mais de um momento ou dois para admirar o seu corpo. Sendo um guerreiro, Rollo claramente se mantinha em forma.
— Não entendo por que precisaremos da lenha — Anneke protestou, confusa.
Ela achava mais interessante vasculhar pelas coisas de Cellíope e tentar encontrar alguma planta medicinal que a mulher por acaso pudesse ter deixado para trás e que, se elas tivessem sorte, ajudaria a Rollo.
— Eu explico quando você voltar — prometeu Liv, deixando óbvio que estava com pressa. — Vai ajudá-lo, confie em mim.
— Certo, então eu vou... Aguente firme, Liv. Por favor.
Lívia tentou sorrir para a garota.
— Eu estou tentando, acredite em mim.
Anneke rapidamente deixou a casa, segurando o vestido pelas barras da saia de maneira apreensiva. Quando a garota se foi, a inglesa ficou sozinha, imersa no silêncio do cômodo gelado. Sua única companhia era o homem à beira da morte.
Lívia estacou em pé só por um segundo, para respirar e colocar os pensamentos em ordem, ter certeza do que estava fazendo. Ela não poderia cometer erros ali. Erros custariam a vida de Rollo. Por isso, sua atenção raramente desviava do rosto adormecido dele, temia que se parasse de vigiá-lo, o homem pudesse simplesmente morrer.
Liv estalou a língua, odiando que isso estivesse acontecendo. Ela queria tanto vê-lo abrindo os olhos novamente....
Mas, enquanto esperava Anneke, não havia muito o que se fazer. Ela estudou as tatuagens de Rollo, o modo como elas delineavam os seus músculos... E percebeu que havia algo de errado.
Rollo não estava respirando.
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Imortais - O segredo dos deuses
FantasyPLÁGIO É CRIME - Todos os direitos reservados a Maria Augusta Andrade © Não autorizo qualquer reprodução ou uso do conteúdo desse livro. Tentativas de plágio serão denunciadas, como já foram antes. ❝ A tragédia e a morte são duas amigas que andam j...