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          Liv deu um passo inseguro para fora do quarto e a sensação foi como pisar na borda de um precipício cheio de pedras pontiagudas esperando por ela no final.

Sua respiração estava falha, o suor escorrendo do pescoço e as mãos tremendo incontrolavelmente. Ainda não tinha se recuperado do tormento pelo qual sua própria cabeça à fizera passar, mas estava tentando ao máximo manter-se sã e entender o que estava acontecendo.

Finalmente tomou coragem e olhou além. Como suspeitara, o corredor estava vazio, assim como a sala e tudo depois dela. O mesmo com a cozinha e os outros quartos.

A casa de Dyre parecia abandonada e sepultada em um silêncio morto... Exatamente como estaria dali dois mil anos quando mais nada daquilo existisse. O tempo apagaria tudo, deixando nada ou muito pouco sobreviver à sua influência impiedosa.

O tempo. O tempo. O tempo. Era sempre ele. O motivo de tudo. Aquele que era tão sutil feito um beijo delicado na bochecha e tão mortal quanto um veneno. No final, tudo pereceria à ele.

Liv sentiu uma algo a agarrar pela garganta e não soube dizer se foi terror, tristeza ou cansaço. Talvez uma mistura paralisante dos três. Seu corpo estava pesado e por meio segundo ela realmente se apegou àquela esperança vã de que tudo aquilo não passasse de um pesadelo.

Mas a inglesa sabia muito bem que não era, porque apesar do medo, da exaustão e de tudo que se acumulava em seu peito também podia pressentir que estava perto.

Perto de algo importante, poderoso, que mudaria tudo... Ela só não sabia se seria para melhor ou pior.

Na deixa perfeita, o borrão azul reapareceu, passou por cima da sua cabeça e depois seguiu para o jardim de Dyre nos fundos da casa. Da porta vinha uma luz branca e ofuscante que não a permitia ver com clareza o que se passava lá fora.

O borrão desapareceu em meio à claridade e os instintos de Liv gritaram para segui-lo. Aquela urgência de por um fim ao mistério entrou em conflito com o sentimento de recusa dentro da inglesa, que não desejava mais fazer parte daquilo. O preço a se pagar para se envolver com os deuses era muito alto.

Finalmente ela entendia a repulsa de Cellíope e sua teimosia à se manter longe de assuntos divinos.

Tudo que Liv mais queria era voltar para Rollo. Queria voltar para o seu casamento, para a felicidade absurda que sentira ao colocar aquele vestido e pensar que faltava tão pouco estar ligada ao homem que amava pela eternidade.

Foi tão boba ao acreditar que os poucos segundos de paz que tiveram durariam para sempre, foi tão ingênuo da sua parte pensar que se esquecesse os deuses eles também a esqueceriam.

Não era assim que funcionava. O tempo e o destino não se curvam perante as vontade de ninguém.

Ela olhou para a pulseira em seu pulso, lembrando-se dos olhos esperançosos de Dyre e segurou um soluço; não iria chorar. Chorar significaria um fim e a história dela e Rollo estava muito longe de acabar.

Eles estavam só começando.

Prometeu a si mesma que ainda voltaria para ele não importa o quanto isso lhe custasse.

Finalmente e com muita relutância, Liv tomou coragem e caminhou pelo corredor afim de seguir o rastro da borboleta azul deixado pelo jardim.

O lugar estava diferente, mais denso e cheio de árvores novas que se entrelaçavam umas nas outras, tornando impossível reconhecer o caminho ou andar por ali sem um mínimo de esforço. Mais de uma vez a inglesa teve que parar e soltar os galhos que se prendiam ao seu vestido de noiva. Aquilo parecia mais um labirinto do que qualquer outra coisa.

Imortais - O segredo dos deusesOnde histórias criam vida. Descubra agora