– Onde estou?
Erika estava encoberta por uma grossa e viscosa névoa negra, que infestava uma sala branca. Ela não conseguia se mover direito naquele lugar, era pesado, difícil, como se houvesse uma grande pressão em seu corpo por todos os lados. Levantou de forma lenta e com bastante esforço, até se por de pé. Olhou ao redor e, em alguns buracos naquela nevoa, percebia que estava em uma grande sala branca, sem portas ou janelas.
– Tem alguém aí?
Gritou sem resposta, um grito lento que pareceu durar quase um minuto. Tentou andar, mas cada passo demorava mais do que o tempo que levava para se arrumar para ir a escola. Começou a se lembrar de ter se arrumado sem vontade antes de sair de casa.
– Garota branca, de 16 anos, cerca de um metro e sessenta...
– Quem está aí?
A voz não respondia, a voz que ouviu era rápida, feminina, mas sua voz era lenta, demorava a sair, demorava a terminar. Lembrou-se, então, do jardim de inverno, começou a sentir uma chuva caindo naquela nevoa. A chuva não ficava lenta naquele lugar, mas ela continuava da mesma forma. Olhou para cima, não conseguia ver as nuvens, ou se havia teto ali, mas se lembrou de que o céu estava claro, sem nuvens, sem nada.
– Ferimentos a bala, dois no tórax, um na barriga.
– Socorro!
A voz sumiu novamente, sem responder pelo seu apelo. Ela, então, se lembrou de uma arma, de um garoto, de uma garota... Lembrou-se de um sanduíche, de como se levantou e de para onde foi. Lembrou de um barulho, um tiro.
– Parada cardíaca! Tragam o desfibrilador, rápido!
– Eu estou morta?
Olhou para o próprio corpo naquela nuvem negra, depois tocou sua barriga, sentindo o líquido quente na mão. Levantou a mesma com dificuldade para a linha dos seus olhos, apenas para confirmar a mancha vermelha.
– Eu não quero morrer assim, eu quero morrer tomando sorvete.
...
O que acontece à pessoa que encontra o Vazio?
Eu posso lhe responder isso, mas vou deixar que você tire suas próprias conclusões após saber o que aconteceu com Erika. Após quatro meses em coma, ela finalmente recobrou a consciência, deitada em um leito de hospital, sem entender nada do que estava acontecendo e com sua mente lutando para encontrar respostas em algum lugar.
Primeiro, veio a lembrança da fome, a vontade de comer alguma coisa salgada. Lembrou-se do sanduíche, então, de que estava na escola. Depois ouviu pessoas conversando no corredor e sua mente começou a reconstruir os gritos e a bagunça em uma certa praça de alimentação. Tentou mover o corpo dolorido e desistiu, mas a dor a lembrou de algo importante.
Um barulho alto. Uma pressão no peito. Uma dor.
E foi aí que Erika se lembrou de outra coisa, uma mancha negra. Uma entidade que ela era capaz de sentir. Sentir sua força, sua presença, seu desejo. O Vazio. Tentou entender por que não havia morrido e apenas uma resposta vinha a sua mente. O Vazio. Aquele desejo. Seu desejo.
Após alguns minutos, toda a cena do atentado lhe voltou à mente, o rapaz, a garota, o parque de inverno, o sanduíche... E a vontade de tomar sorvete.
...
Erika abriu os olhos, mas não sentia forças para levantar. Olhou ao seu redor, máquinas médicas, luzes, lençóis brancos e uma janela com a persiana fechada, ao lado de uma porta que dava para um corredor, onde via algumas pessoas transitando. Sentia uma sensação ruim no corpo e uma fraqueza total, viu a agulha em seu braço e o cano que se estendia até o soro. Respirou fundo, mas não sentiu dor como esperava, apenas uma sensação que não conseguia entender, uma espécie de pressão.
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Vazio
Teen FictionErika estava vivendo, sem saber muito o porquê disso. E nesses momentos de vida encontrou o Vazio, ou o Vazio a encontrou, e agora o pouco que sabia sobre a vida se tornou irrelevante. Ao tentar ser completo, o Vazio sempre cresce. Algumas pessoas...