Parte 5

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Eu realmente gostaria de ter deixado Erika amadurecer mais por conta própria, mas o tempo que eu tinha estava se esgotando, tudo estava acontecendo mais rápido do que eu imaginava e as pessoas ao meu redor pereciam frente à ameaça que enfrentávamos. Graças a William, o boato de uma garota que conseguia enganar a morte se espalhou bem rápido pelo nosso mundo, pelas pessoas que se autointitulavam "inimigos da realidade". Algumas ignoravam, outras ficavam curiosas a respeito dessa habilidade, mas uma pessoa em especial foi atraída por essa habilidade, mas só fui saber tarde demais.

Erika acordava na manhã seguinte com preguiça, passou a mão sobre o rosto enxugando as lágrimas matinais. Ainda deitada, lembrava da noite passada, de Lídia e dos seus beijos, lembrou do que sentia e de toda a excitação. Mas sua mente lembrou-se também de um Vazio que não estava mais lá, de uma sensação de alívio despreocupado, como se não tivesse mais de lutar contra nada. Sentou na cama e se sentiu leve, mais disposta. Seu reflexo no espelho mostrava um rosto bonito, cheio de vida e borrado pela maquiagem. Sorriu e se sentiu viva, pela primeira vez em muito tempo, viva de verdade.

Ela estava achando estranho tudo aquilo, claro. Afinal, um dia você acorda e acredita ser lésbica, imagine a sensação. Imersa em um mundo totalmente novo, se sentia um tanto perdida, sem saber qual próximo passo, além do que, não sabia como seus pais reagiriam. Depois que analisou melhor a situação, começou a acreditar que realmente foi afetada pelo ocorrido, pelos tiros que levou. Nunca havia sentido atração por uma mulher antes e toda essa coisa de Vazio começou a soar fantasiosa demais em sua mente. A realidade estava tentando impor alguma razão no que estava acontecendo.

Ouvia a chuva caindo do lado de fora do seu quarto, batendo contra a janela. Calçou suas pantufas de coelho e um moletom grosso, olhou a hora e já estava quase na hora de ir à escola. Chegaria atrasada, mas iria de qualquer forma, queria ver Lídia novamente, mesmo achando que seria um tanto estranho se encararem depois da noite passada.

Mas Erika não estava tímida ou com receio, sentia-se convicta do que queria, do que desejava. Ainda que tivesse calafrios sempre que se lembrava do sonho em que assistia a si mesmo cometer suicídio, a ideia de que podia ter tudo que desejasse a deixava confiante, segura de si mesma.

Essa é a sensação que todos nós temos, no começo.

...

Erika estava no que ela costumava chamar de Jardim de Inferno, na escola. A chuva escorria pelas frestas e formava poças no chão, onde outros alunos caminhavam e emporcalhavam todo aquele lugar, dando, com certeza, um trabalho imenso para as empreiteiras.

Ela estava sentada, agasalhada em um cardigã vermelho e usando uma toca de tricô colorida. Esperava Lídia, que a qualquer momento sairia para aproveitar o intervalo. No meio tempo, observava aquele considerado o herói da escola, sentado sozinho, com uma roupa simples e um casaco marrom aberto, que não o protegia do frio, encarava o nada como se também esperasse alguém, ou alguma coisa. Provavelmente apenas esperava o intervalo acabar para voltar a sua rotina.

O rapaz notou que Erika o encarava e retribuiu o olhar, sem mudar de expressão. Ela, por sua vez, não se sentiu intimidada e apenas suspirou, sentindo como se o potencial daquele homem estivesse sendo desperdiçado, afinal, se ele era capaz de salvar uma mulher sem conhecer o Vazio, o que ele seria capaz se fosse pudesse usar o Vazio em seu favor?

– Erika! Que bom que você veio!

Lídia se sentou animada ao lado da amiga e a abraçou, sorrindo. Erika retribuiu o abraço sinceramente, e só depois tirou os olhos daquele rapaz. Lídia estava vestida com uma blusa pesada de frio e um cachecol azul-céu, seus cabelos presos como Erika gostava e levemente maquiada. Sentiu o calor do corpo da garota e as lembranças da noite passada vieram à tona, suspirou e terminou o abraço, voltando à posição que estava antes.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora