Parei em um pequeno parque que mais parecia uma praça, o ar estava úmido e as pesadas nuvens encobrindo o sol de meio dia indicavam que havia mais chuva a caminho. Erika acendeu um cigarro e esticou as mangas do cardigã para cobrir as mãos, eu ajeitei o quepe e o casaco pesado, até um tanto desconfortável, mas fazia me sentir bem naquele ambiente. Seguro.
A garota sorriu e me olhou, sua cicatriz não tornava seu rosto feio, para mim era até atraente, um charme a mais, talvez fosse mais pelo que representava do que pela aparência. Esperei ela se situar no ambiente, até que foi a um banco de madeira, de aparência bem antiga, que se mantinha a base de verniz e sentou na parte de cima, pondo os pés onde pessoas normais sentavam.
– Qual o próximo passo, chefe? Acho que me sinto pronta para enfrentar Eduard.
– A questão não é essa, é como. Minha vontade sobrepuja a de Eduard até um limite, não conseguimos impedir o seu desejo, ele continua decidindo quem vive ou morre.
Erika tomou um tempo dando uma longa tragada no cigarro, baforou para cima e sorriu com um ar desafiador.
– Como matamos tantos do time dele então? Dini parecia ser bem importante pelo que parece.
– Não sei. Minha melhor hipótese é que ele tenha sido pego de surpresa.
– Tem mais alguma hipótese?
– Eu estou conseguindo negar o desejo dele suficiente a ponto de conseguirmos alguns avanços.
A garota olhou nos meus olhos como se me analisasse. Sua boca segurava o cigarro e aquela fumaça lenta e mentolada se espalhava pela brisa. Fiquei na sua frente e ela sorriu, eu não entendia de onde estavam vindo tantos sorrisos como aquele. Naquele momento, eu não sabia que Erika e Franziska tinham conversado na noite passada, ela estava se sentindo superior a mim, finalmente tinha alguma coisa a seu favor.
– É perigoso você dar asas aos seus desejos. Nosso maior medo é que você termine como Douglas. Os desejos vão te cobrar um preço que você não vai poder pagar e...
– Aquiles! Eu não aguento mais essa conversa. De que adianta? – Erika atirou o fim do cigarro longe. Eu sei que cobra, eu já senti isso, eu já fui cobrada. Vamos seguir adiante e fazer o que temos de fazer. Todo esse tempo, desde que vocês me tiraram da minha vida normal, é sempre a mesma conversa. Eu entendo, Franziska me contou o que aconteceu a você e Eduard na guerra, se quer acabar com isso, vamos acabar logo, mas não vamos perder nosso tempo conversando sobre o que já foi dito. Na realidade, isso já ficou foi chato. Eu estaria muito melhor treinando no ferro velho do que aqui, ouvindo essa ladainha. Quer conversar, que seja sobre como acabar com essa merda, não sobre como o Vazio é um filho da puta e como ele vai cobrar seu preço etc.
Respirei fundo e sorri encarando aqueles olhos azuis. Ela me olhava nervosa, a testa franzida e os lábios comprimidos. Ela estava certa, mas não toda. Parece que todo mundo só aprende que o Vazio vai fazer você coisas inimagináveis quando você já fez, e já é tarde demais.
– Por que não conversamos sobre algo diferente para variar? Aposto que você nem conversa sobre sua vida ou sobre o que gosta de fazer – Erika deu de ombros e desviou o olhar. Também, do jeito que você se comporta, ninguém quer ficar um minuto a mais do que precisa conversando com você mesmo. É como Franziska falou, cada um de nós só quer terminar logo com esse problema e seguir adiante.
– Você vai conseguir seguir adiante, Erika?
– Eu descubro quando esse dia chegar. Preciso me preocupar com Eduard por enquanto.
– Certo – cruzei os braços, esperando ela falar mais alguma coisa. Tanto acontecendo, não me surpreendia o fato de que ela precisasse conversar. O que mais?
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Vazio
Teen FictionErika estava vivendo, sem saber muito o porquê disso. E nesses momentos de vida encontrou o Vazio, ou o Vazio a encontrou, e agora o pouco que sabia sobre a vida se tornou irrelevante. Ao tentar ser completo, o Vazio sempre cresce. Algumas pessoas...