Parte 20

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Erika acordou zonza, a visão embaçada via a figura de Samu, com a mesma camisa polo colada aos corpo musculoso. Ele estava agachado abaixo da janela que Franziska costumava fumar. Ela estava deitada no chão, atrás do sofá caído. Algo havia acontecido.

– Ei! Cheng! Cheng! – Samu gritava. Saia daí irmão.

– É minha hora, Samu, é finalmente.

Erika se apoiou no sofá e levantou, Cheng estava sentado encostado a parede. Seu peito nu mostrava dois ferimentos a bala, o sangue vertendo suavemente, harmonioso. Aquilo era lindo aos olhos de Erika, mas ao mesmo tempo profundamente triste. Não conseguia raciocinar direito, não entendia, não parecia real.

– Irmã! – Samu gritou, estava com duas armas, uma em cada mão. Irmã! Cheng foi atingido!

– É, eu vi – disse apática.

O estrondo de tiros e assobios das balas entrando na casa invadiram a harmonia daquele lugar, Samu abaixou a cabeça, mas Erika se manteve em pé, fora da janela apenas um borrão negro, com flashes luminosos e desconexos.

– Irmãzinha! Acorde, pelo amor de Jah!

Samu subiu a cobertura e disparou várias vezes, os estrondos ecoando pela sala. Erika olhou ao redor e não viu mais ninguém, era apenas eles três. Com passos lentos e entorpecidos, foi até Cheng, que respirava com extrema dificuldade, seus braços amolecidos e caídos sem força. Sangue escorria da sua boca em um fino fio, lento e triste, como uma lágrima.

– Eu não posso salvá-lo – disse em um longo suspiro.

– Nem deve – sorriu, a mão fraca e trêmula subiu e tocou seu rosto, três pontos vermelhos pintaram a bochecha da garota. Meus pecados estão finalmente sendo pagos. Sabe o que isso significa?

– Sim, eu sei – mais estampidos, zumbidos passaram próximos a Erika, que nada fez. Você foi um pai para mim, Cheng. Um verdadeiro mestre – segurou seu rosto e lhe beijou a testa, continha as lágrimas com facilidade, seus sentimentos estavam entorpecidos como seus movimentos. Você salvou a humanidade, sem você, eu não seria capaz do que sou hoje.

Cheng sorriu e tentou tocar mais uma vez o rosto de Erika, mas a força já havia se esvaído de seu corpo. Erika tomou a mão do homem e a pôs em seu rosto, sorrindo. Seus olhos estavam cheios d'água, uma lágrima solitária escorreu sem muita cerimônia, correndo pelo rosto cansado e velho. Uma também escorreu pelo rosto cansado e novo, por cima de uma cicatriz.

– A macarronada está pronta – Cheng sorriu, seus olhos fitando o azul profundo, sua alma enchia-se de paz naquele olhar. Finalmente, a macarronada está pronta.

Após um momento, Erika passou a mão sobre os olhos de Cheng, que não mais se abriram. Pousou sua mão com suavidade sobre seu colo e apanhou seu revólver, verificou o tambor, quatro balas ainda restavam.

Levantou e abriu a porta, Samu gritava para que não fizesse isso. Lá fora, três homens atrás de um carro tiraram a mão e a cabeça da cobertura e disparam contra Erika, nenhum tiro a acertou, mas o som parecia estouros de foguetes, desarmoniosos, barulhentos e irritantes. Sem cerimônia, ela levantou o revólver com as duas mãos.

Um.

Dois.

Três.

Silêncio.

...

O dia amanheceu sem vontade, arrastado. Erika estava na janela de minha casa, olhando os primeiros raios do sol atravessar as copas das árvores. Após o tiroteio, eu os trouxe aqui, Samu e Erika, assim como o corpo de Cheng, que iríamos enterrar no mesmo lugar onde enterramos os outros, no pequeno cemitério próximo a casa na floresta de Annabel.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora