Parte 22

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O frio ainda estava lá, acompanhado de uma chuva fina, sem trovões ou relâmpagos, mas estava lá, aquela sensação não sumiu com o amanhecer, o sol não aqueceu a pele úmida de Erika quando ela saiu para relaxar com um cigarro do lado de fora. O pesadelo da noite anterior era a realidade da manhã seguinte, nada havia mudado, só piorado, continuado.

Erika não se lembrava de quando foi que viu o céu azul, limpo e sem nuvens.

Novamente, as lembranças de Lídia, de sorrisos e sorvete de abacaxi, agora eram como sonhos que teve em um dia de sol, há muitos anos. Era o fim, com certeza, mas Erika ainda não havia desistido, como havia dito, sua mente se complicava, se contorcia e gritava enquanto planejava algo que mudasse o destino da humanidade. Ele podia, por que ela não?

Deveria sentar e esperar morrer? Abraçar Franziska e esperar?

Não. Ela sabia que não, eu não faria isso, Cheng não faria isso, nem Ângelo. Deu uma tragada longa, prendeu por um momento e jogou o cigarro meio fumado longe, baforando lentamente e voltando para casa.

Precisava amar, era o que pensava, até mesmo Eduard.

A primeira pessoa que viu ao voltar foi Hod, em pé, indo até a cozinha. Ela o tomou pela mão e a guiou, ele franziu a testa, com raiva, mas aceitou ser levado. A luva de couro a fez lembrar a mim, em minha casa, a madeira envernizada. Ela sorriu, melancólica.

– Água – rosnou.

Erika encheu um copo, olhou pela janela aberta o céu cor de chumbo. Água.

Água.

Entregou o copo a Hod, que o tomou rapidamente e o devolveu. Erika pegou o copo e o deixou na mesa, abraçando Hod em seguida. Surpreso, se manteve imóvel como sempre, a estátua de cera que era seu corpo, a expressão de mármore que sempre foi seu rosto. Uma mão segurando a bengala, a outra solta ao lado do corpo.

– Eu te amo, Hod – disse, depois de um longo suspiro. Cada tapa que você me deu foi merecido, nenhum doeu de verdade, nenhum deixou marcas. Não estou me despedindo de você, acredite – fez uma pausa, o homem ainda permanecia imóvel. Apenas estou lhe agradecendo, tentando devolver pelo menos um pouco de tudo que fez por mim. Não estamos sozinhos.

– Erika, você sempre me decepcionou – uma mão segurando a bengala, a outra envolveu Erika em um abraço fraco. Ainda agora, nesse momento, você mostra fraqueza, como sempre. Estamos sozinhos, Erika, sempre estivemos. Mas isso é o que te deixa forte, essa fraqueza emocional, esse peso, o fardo que carrega, suas perdas, seus fracassos. É isso que te fez o que é, e o que ainda me dá esperanças. Me orgulhe pelo menos uma vez, consiga o que quer.

Erika sorriu e o soltou, a face de Hod era a mesma, um mármore inexorável de rugas contorcidas e os óculos sem vida. Mas ela sabia que seu sofrimento era o mesmo que o meu e de Eduard, éramos apenas velhos tristes e derrotados.

Podia vencer Eduard, ela sabia disso.

A segunda pessoa que viu foi Samu, assistia a um noticiário concentrado, a notícia não poderia ser outra, mais mortes ao redor do mundo, um avião lotado, o piloto simplesmente o mergulhou, em uma queda de quatrocentos por hora, junto com seus quase trezentos passageiros, de ponta no chão. Foi filmado, como sempre é.

Sentou ao seu lado e o abraçou, ele sorriu e retribuiu o abraço, forte e vigoroso.

– Ei, irmãzinha, ainda não acabou.

– Eu sei, irmãozão... – retribuiu o sorriso.

– Então por que o abraço?

– Porque eu te amo – riu. Obrigada por me salvar aquele dia, não que eu precisasse, mas obrigada mesmo assim.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora