Parte Final

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A moto de Franziska era mais potente, mais rápida e pesada, mas isso não foi problema, não havia trânsito, não havia surpresas. A garota foi até o ferro velho, mas não viu Dono, já era de manhã e as nuvens pesadas continuavam lá, estagnadas, impedindo Erika de ver o sol brilhar como sempre brilhava.

Eduard estava certo, não havia mudado muita coisa no mundo, apenas não havia mais seres humanos vivos além dela. Foi até onde costumava treinar e sentou em cima de um capo velho, não sentia desejo algum, vontade alguma, estava totalmente apática e perdida.

– Deveria ter uma piscina aqui – suspirou e tirou a jaqueta, jogando-a no chão.

Em pouco tempo, adormeceu e, quando acordou, nada havia mudado. As nuvens eram as mesmas, o frio era o mesmo, as pessoas continuavam mortas. Suspirou entediada, cansada e com dores pelo corpo. Voltou para a casa de Franziska e encontrou a porta trancada, teve de abrir a fechadura com um tiro, o estrondo ecoou pela rua morta. Quando abriu a porta, viu a televisão ligada e Samu sentado no sofá, os olhos fechados, um saco de batatas caído ao seu lado. Na televisão, o ancora de um jornal jazia com a cabeça caída sobre os papéis das notícias.

– Sério isso? – disse olhando para a televisão.

Sentou ao lado de Samu e mudou o canal, a maioria estava fora do ar ou com mensagem de problemas técnicos, que logo voltariam. Claro, pensou Erika, vou esperar aqui.

Tomou um banho, vestiu roupas quentes de Franziska e ficou indecisa entre a boina ou o quepe, até que pegou a boina por lembrar da amiga e um maço de cigarros. Não tinha vontade de fumar, nem mesmo da excitação que estava a perseguindo por tanto tempo. Não havia necessidades, nem fome, nem sede.

Por hábito, sentou na entrada e acendeu um cigarro. Deixou a mente viajar, os pensamentos tomavam formas pitorescas e abstratas, nada havia ali senão um caos sem sentido, como o universo em seu início, uma explosão de caos e instabilidade.

Mas é de lá, não é?

Foi do caos que veio a ordem.

Ela não teve noção de quanto tempo passou, mas pôde contar quinze cigarros. No décimo sexto, lembrou-se de Samu batendo em sua cabeça com o dedo: "Taí a resposta, irmãzinha, pensar dói mesmo."

– Pensar dói mesmo, negrão do caralho – disse rindo. Eu te amo, Samu! – gritou o mais forte que pôde. Eu amo todos vocês, e vocês sabem disso... Sei que estão aí, Samu conseguia falar com vocês, mas eu não.

Taí a resposta, irmãzinha, pensar dói mesmo.

– Pensar dói mesmo... – lembrou de quando estava imersa em sua mente, em seu oceano. Como é mesmo... – a água do oceano era morna – começava assim... Não – ela não precisava prender a respiração, nadava de olhos aberto. No começo... – podia ver a luz do sol na superfície do seu oceano – no começo, Deus andava sobre as águas ou coisa assim. Será? – abriu os olhos e procurou alguém, como se esperasse ser censurada pelos seus pensamentos. Fomos criados a sua imagem e semelhança e... Não, isso está cristão demais, religioso demais – ficou em silêncio e acendeu o cigarro, a fumaça desenhava uma linha fina, sem curvas. Mas carma também é essas coisas de... ai, meu Deus, por que eu tinha de ser tão burra? Daquela estatuazinha gordinha... Buda! – gritou sorrindo – Buda, isso! O Jesus dos japoneses!

...

Minha casa estava com um leve cheiro de mofo quando Erika chegou, a porta trancada foi um problema resolvido com dois disparos. Estava como eu deixei, mas ela se lembrava de uma coisa que uma vez foi dito a ela, que eu vivia em meditação, essa foi sua grande ideia, meditar. Procurou pela casa livros, instruções, mas não encontrou nada disso. O que encontrou foi meu lugar de meditação, um quarto grande, todo em madeira, sem móveis ou janelas, apenas um conjunto de incensários e uma almofada roxa no centro.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora