Parte 12

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Já eram oito horas da manhã quando Erika chegou na casa de Cheng. Bateu na porta com força até o senhor chinês atender. Sorriu ao ver Erika e terminou de abrir a porta, para que a garota entrasse. Ela sentou no sofá e respirou fundo, pegando a arma que Cheng deixava sempre sobre a mesa. Ele estranhou, mas não disse nada.

Cheng não era estúpido, muito menos descuidado. Seus olhos não saíram de Erika até ela largar a arma novamente sobre a mesa.

– É mais pesada do que a minha – sorriu – ainda que a minha tenha mais balas. Armas são tão pesadas...

– É porque não deveríamos segurá-las. Se todos pudéssemos segurar penas ao invés de armas, nosso mundo seria mais leve e teria mais paz.

– Penas?

– Para escrever – sorriu calmamente – como uma caneta. Caneta são tão leves quanto.

– Entendi – ajeitou o cardigã. Queria não ter motivos para carregar uma arma –seus olhos estavam fixos na arma de Cheng. Eu entendi a morte, Cheng.

– Prossiga – foi até a cozinha e colocou água para esquentar.

– A morte nos separa das pessoas que amamos – suspirou. A morte nos separa da nossa vida, do que gostamos de fazer... do nosso corpo, a morte separa até nosso corpo, que derrete lá no caixão, vira pó.

Cheng sorriu na cozinha, mas nada disse.

– Se a morte separa as coisas, o que as mantém unidas? A vida?

– Não exatamente – Cheng trouxe um bule com chá e duas xícaras. Pessoas podem estar vivas, mas separadas.

– Então, o que é? O amor?

– Isso – respondeu ainda com o mesmo sorriso. O amor, ou Eros, de acordo com Freud.

– Freud? – riu – Freud explica tudo!

– Não exatamente da forma como aquele homem via as coisas – Cheng deu um leve riso, servindo o chá – mas Eros, como a força que mantém as coisas unidas, e Tanatos, como a força que as separa. Você compreendeu como Tanatos opera, ainda que não tenha entendido suas razões e o seu porquê, mas já é um imenso passo que deu, Erika. Agora precisa compreender Eros, como ele opera. As razões de um e de outro são dadas por aqueles que as usam, e não pela força em si. Eros e Tanatos são apenas duas forças, nós somos seus intermediários, talvez os únicos na natureza que sejamos capazes de utilizá-los conscientemente.

– Por que é mais difícil entender Eros?

– Mas não é – tomou um gole, a boca acostumada ao chá quente. Eros é muito mais simples, você entender o motivo de uma mãe cuidar de seu filho é mais fácil do que compreender o que a leva a abandoná-la num cesto de lixo – suspirou, tomando mais um gole. Estamos em tempos difíceis, Erika, mesmo que não pareça, a humanidade ainda precisa ser salva, e hoje é o dia em que ela mais precisa de amor, de união, de que Eros vença e se fortaleça, deixando que Tanatos faça apenas seu papel natural.

Ao ouvi-lo, Erika viu Cheng com outros olhos, não conseguia ver aquele homem como um assassino, como dizia no seu perfil, mas como um sábio, talvez um professor, ou levando em conta que era chinês, um mestre de artes marciais. Seus comentários quase racistas em seu diário me levavam a breves momentos de alegria, em que eu deixava escapar uma ou duas risadas. Afinal, não é sempre que lemos "Cheng deveria ser um professor... Quer dizer, um mestre de karatê, já que tem os olhos puxados e barbicha".

– Então, nós temos as duas forças? Eros e Tanatos, é isso?

– Exatamente. Na realidade, nós não a temos, mas elas fazem parte de tudo o que existe e faz também parte de nós.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora