Parte 8

5 0 0
                                    

Chegaram ao anoitecer na casa de Cheng, que ofereceu, antes de tudo, um jantar para as duas garotas, uma lasanha que tinha acabado de preparar. Erika e Franziska aceitaram sem reclamar, afinal tudo que tinham comido naquele dia foi um rápido café da manhã.

Depois de servidas, Cheng tirou o avental e sentou à pequena mesa da cozinha, sorrindo ao ver aquelas duas garotas comendo com tanta vontade.

– Se voltaram... – disse ainda sem experimentar a comida – isso significa que descobriram o que faz com que Erika não morra.

– Uhum – disse sorrindo. É o medo, se não tenho medo, não morro. Simples, não é?

– Muito. O medo é uma forma de crença. Por exemplo, se você tem medo de vampiros, logo você acredita em sua existência. Se você não tem medo da morte, você não acredita que possa ser morta – comeu um pequeno pedaço, continuando. Entretanto, se você tiver medo, Erika, você morrerá. Tão simples como a forma de ficar viva, é a forma de matá-la.

Erika parou por um momento e ficou encarando o seu prato, entortou o lábio e ficou pensativa, tentava entender plenamente sua situação e como contorná-la. Franziska, por sua vez, a encarou por um breve momento e voltou a atacar sua comida.

Não disseram mais nada até todos terminarem de jantar. Cheng recolheu os pratos e começou a lavá-los na pia.

– Então, só preciso não ter medo? – disse, por fim, Erika.

– Acredito que sim – sorriu. Entretanto, como é uma pessoa que não tem medo de nada?

– Eu não sei – respondeu desanimada.

– Nem eu.

– Mas o que eu vou fazer agora? Já consegui entender que tudo isso é sério. Olhou para Franziska, apontando para ela. Essa aí quase meteu uma bala na minha cabeça hoje de tarde, você quase meteu uma hoje de manhã. E agora à noite, quem vai tentar meter uma bala na minha cabeça?

– Você.

– Eu? – riu. O que isso tem a ver? Eu não tenho medo de mim.

– Não tem? – desligou a torneira, enxugando as mãos. Andressa me contou sobre seu sonho, aquele que você se matava repetidas vezes. Não tem medo de acabar daquela forma? Cedendo a todos os desejos a ponto de não aguentar o peso na consciência e tirar a própria vida?

– Todos nós, pelo que me contam, passamos por isso. Por que Franziska não se matou? Ou você?

– A taxa de suicídio entre os de nosso circulo é de 90%. Nós somos o que sobrou de todos os outros que vieram antes de nós. Meu tutor se matou há três anos, após esquartejar uma turma da sétima série na qual seu filho estudava, depois de receber a notícia de que as crianças daquela turma abusavam do garoto. E seu filho hoje está em um hospital psiquiátrico... – suspirou e sentou à mesa novamente, encarando Erika. É difícil, para todos nós, contermos nossos maiores desejos, aqueles que mais nos atacam.

Franziska encarou Cheng e ajeitou os cabelos, se levantando. Naquele momento, Erika sentiu uma leve vibração no ambiente, semelhante à estática que sentimos ao aproximarmos de uma televisão.

– Cheng, ela já sabe disso! – cruzou os braços o encarando. Vamos passar para a parte em que ela impede que Eduard consiga matar a todos nós.

– Do que você tem medo, Erika? Tem medo de que Eduard vença e todos nós pereçamos?

– Na verdade não – sorriu sem vontade. Porque não me sinto tão relacionada a todos os outros seres humanos dessa forma. Sabe, senhor Cheng... – suspirou e encarou Franziska, que arqueou uma sobrancelha – não quero muito nessa vida e nunca cheguei a me importar com toda a humanidade – debruçou-se sobre a mesa. Sabe essas pessoas sem muita utilidade que existem por aí? Essas que têm um trabalho que não influencia ninguém, que têm uma rotina que não influencia ninguém... Eu sou mais ou menos esse tipo de pessoa.

VazioOnde histórias criam vida. Descubra agora