VIII - Sentimentos Imortais

103 62 0
                                    

Após a leitura da carta, Ryan passou por uma experiência nova naquela etapa da imortalidade. O simples facto de não derramar qualquer lágrima, deixou o jovem vampiro muito apreensivo, achando que ficara mais desumano ao não demonstrar mágoa ou tristeza, perante as últimas palavras de desabafo da sua mãe.

- Tornei-me num monstro, num ser desprovido de sentimentos - disse Ryan agarrando o pregaminho com tamanha força que o amachucou de imediato.

- Não digas isso - respondeu Pandora agarrando nas mãos dele - Tu tens coração e sentimentos, apenas não os consegues expressar tão bem como os humanos.

- Tu sabes que as coisas não são assim tão simples - fitou Pandora com uma voz calma - Os vampiros não choram, não sentem medo, terror ou nervos. A única coisa para que são feitos, é para sugar sangue ás pessoas, exprimirem a sua satisfação em roubar vidas desnecessariamente.

Firefang caminhou na direção da garrafa de hidromel que deixara pousada no chão, e encheu novamente um copo de vidro. Quando o concluíu, entregou o mesmo ao rapaz.

- Queres que comemore a minha situação triste? - reagiu ele de forma surpresa e com sarcasmo.

- Desejo que faças um teste. - disse calmamente.

Pandora olhou logo de imediato para ela enigmada.

- O que tencionas fazer raposa?

- Desejo demonstrar-lhe que ele não é nenhum monstro. - ergueu-lhe o copo com um sorriso no rosto - Quando beberes, verás que o sabor se manterá. Tudo o que estás a sentir neste preciso momento, é alguma instabilidade do teu corpo em assimilar um poder que te é totalmente novo e desconhecido.

Ryan recusava-se a aceitar que toda a sua personalidade havia sofrido tamanha mudança. Na sua cabeça, os obstáculos passariam a ser muito mais dificeis de ultrapassar, tendo sempre de medir os seus atos não desejando de cometer erros que reforçassem ainda mais a sua opinião.

- Firefang, como é que isso me vai ajudar? - perguntou olhando para ela com descrença. - A minha vida acaba de dar uma volta de trezentos e sessenta graus. Como é que uma simples bebida me poderá ajudar?

Firefang continuava decidida, e não deixaria de maneira alguma que o seu amigo ficasse com a cabeça confusa. A sua posição futuramente enquanto rei de Ardonos iria necessitar de toda a sua concentração, algo que a raposa não deixaria que afetasse o seu papel. Ela enquanto rainha, sabia o quanto dificil era tomar um certo número de decisões.

- Vamos fazer um acordo. - o seu sorriso era de tranquilidade tal como a sua voz.

- Acordo? - reagiram Ryan e Pandora com grande curiosidade nos seus rostos.

- Sim - encheu um pequeno copo para ela e para a Pandora - Eu e a tua irmã vamos fazer-te companhia na bebida. Se a beberes, serás obrigado a esquecer todas essas ideias patetas da tua cabeça. Estamos combinados?

- Firefang isso...

- Estamos combinados? - interrompeu-o voltando a fazer a mesma pergunta.

O jovem vampiro resignou-se perante a pressão que lhe estava a ser feita. Não teve outra alternativa senão aceitar aquele acordo que lhe fora imposto.
Sem voltar a prenunciar-se, aceitou o copo que Firefang lhe havia oferecido anteriormente. Ao fazê-lo, a sua mão aplicara força em demasia, quebrando o vidro em centenas de cacos.

Aquela fora apenas mais uma das várias realidades que ele teria de enfrentar. A sua força era imensa, não tendo grande controlo sobre a mesma.

- Raios. - resmungou sentindo o sangue a escorrer-lhe pela mão. - Nada está a ajudar.

A sua irmã retirou um pano de seda que tinha costume guardar no bolso do seu fato.

- Tem calma mano - agarrou na mão dele limpando cuidadosamente a ferida - É um dos imensos atributos que irás aprender a controlar. Eu estou aqui para te ajudar.

- Isto é tudo muita novidade para mim. - baixou a cabeça sentindo-se desmoralizado.

- Olha para mim - Pandora agarrou no queixo dele de forma meiga, erguendo-o um pouco - Faz movimentos delicados, deixando todo o teu corpo sentir-se leve. Verás que se o fizeres, toda a tua força é canalizada para os diferentes músculos do teu corpo.

Ryan esfregou a sua cabeça, sentindo-se numa aula de matemática que quase se assemelhava a mandarim.

Naquela pequena conversa, Firefang dirigiu-se logo de imediato á pequena cozinha que a casa tinha. Nos armários voltou a procurar por um copo de vidro, não desejando usar nada que aparentasse ter mais resistência. Isso apenas faria o rapaz sentir-se mais incapaz, aumentando ainda mais as suas dúvidas.

Quando voltou para perto dos irmãos, entregou o copo na mão de Ryan. Pandora olhou para ele, e piscou-lhe o olho para que os seus movimentos fossem o que ela dissera.

- Toma aqui tens - inclinou a garrafa de vidro no copo ouvindo-se os ruídos do liquído espesso - Vamos então deliciar-nos.

Ryan um pouco que a medo, agarrou com extremo cuidado e levou o copo á sua boca de olhos fechados, dando um largo trago bebendo tudo de uma só vez. Temeu que não soubesse a nada, ou então tivesse um gosto horrível. Surpreendeu-se quando o alcool escorregou pela sua garganta um pouco sedenta por algum sangue, não sentindo qualquer diferença desde á bocado.

- E então? - perguntou Firefang ansiosa.

- Eu nem sei o que dizer.

- E que tal dizeres o que sentes? - aconselhou Pandora sorrindo-se.

O jovem vampiro tentou procurar as palavras que melhor caracterizavam o que sentia.

- O gosto... é o mesmo de á bocado - disse num tom de voz mais baixo, esperando que ela se mostrasse vitoriosa.

Não foi necessário aguardar muito, até ela esboçar um sorriso de orelha a orelha, sabendo que desde o inicío a vitória seria sua.

- Agora espero que cumpras o que falamos ainda á segundos atrás. - disse-lhe retirando cuidadosamente o copo da mão.

Ele pouco se importava de cumprir o acordo que fizera. Só o prazer que sentia em ver que tudo estava quase na mesma, era alegria suficiente. Podia levar a sua imortalidade com calma, gosto, e confiaça, sem que pensamentos daquele género o atormentassem.

- Claro que sim. - respondeu com uma voz confiante - A partir daqui em diante tudo será diferente. Prometo que a minha postura mudará, deixando de existir o Ryan que viveu no mundo dos humanos.

Pandora agarrou nas mãos dele, vendo que o rapaz frágil que estava no chão a contocer-se de dores quando ela chegou, havia desaparecido por completo. Foi uma mudança no geral, deixando-a feliz por a puder compartilhar igualmente daquele momento.

- Vejo que estás quase preparado para saires daquelas portas - apontou para elas - Tenho a certeza e sei que darás um rei fenomenal e poderoso. Só que antes de isso acontecer, temos de ter a certeza de que consegues ter controlo em todos os seus sentindos.

- É com gosto que farei o que me pedem. - esboçou um sorriso caloroso ao mesmo tempo que os seus olhos encarnados brilhavam - Desejo aprender tudo o que este mundo tem para oferecer.

Firefang sorriu-se de satisfação ao ver tamanha dedicação. Foi visível até para eles a sua própria satisfação.

- Acredito que sim meu pequeno, mas com calma tudo acontecerá...

O Rei Vampiro - As Relíquias PerdidasOnde histórias criam vida. Descubra agora