Capítulo 14 - Após o primeiro ataque.

58 11 4
                                    

Me acordei no meio de destroços e escombros de algum prédio que desabou sobre mim. Eu estava cinza de poeira de concreto e cimento jogada no meio da rua molhada embaixo do meu corpo. Levanto dali meio tonta sentindo uma dor na minha panturrilha esquerda, quando eu olho vejo que ela está raspada, em carne viva e vermelha. Mas não estava doendo tanto. Então eu amarrei uma manga que rasguei da minha blusa e comecei a olhar para os lados procurando alguém. E eu só consegui encontrar uma paisagem cinza empoeirada e deserta, estava frio e parecia está no começo do dia. Eu começo a me tremer e abraço a mim mesma, não ver ninguém numa rua deserta é assustador.
-Linney!
Ouso alguém gritar meu nome e rápido olho para trás vendo uma pessoa no mesmo estado que eu descendo de uma parede de tijolos que estava no meio dos escombros. Eu não acreditei de verdade que era Ryan ali correndo para me ajudar, talvez poderia ser um sonho, porque ele até me abraçou e eu pela primeira vez em quatro semanas sentir alguém me acolhendo e me dando carinho. Mesmo tossindo com a poeira que estava no seu corpo também, eu não quis me afastar, mas ele fez isso limpando meu rosto que estava sujo de cinzas e lágrimas que saíram sem eu perceber.
-D-de onde você... Veio? Como... Isso aconteceu?
Perguntei com dificuldade sem entender nada finalmente notando que estava no meio da minha cidade destruída. Algo aconteceu aqui e claro que foi um ataque, e eu devo ter perdido minha memória... Não me lembro de ter fugido para rua.
-Não dá pra explicar agora... Preciso levar você pra um lugar seguro... Longe dessa bagunça
Ele estava calmo falando isso olhando nos meus olhos para mim entender. Fiquei um pouco menos confusa e me liguei na situação tentando pensar e agir de alguma forma. Ele passou a mão na minha cabeça sorrindo com o pó que saiu dela, e eu sorri também esquecendo que um dia nós dois estávamos nos odiando.
Mas quando ele me puxou para andar, eu gritei de dor pois minha perna ainda estava doendo por causa da minha panturrilha raspada.
-Ho... Desculpe
Ele passou um braço pela minha cintura e eu fiquei sem jeito colocando o meu braço em volta do seu pescoço para me apoiar. Começamos a andar em silêncio bem devagar mas pelo menos sentia que agora minha vida tinha ganhado um pouco de drama. Mesmo que minha cabeça esteja tentando raciocinar tudo isso ao meu redor. Chegamos a falar sobre os sobreviventes, ele disse que tinha vindo para cá porque seu território estava perdendo, se exibindo contando mentiras sobre ele está no meio do bombeamento tentando não ser atingido e morrer. Disse que havia se escondido no meio dos destroços para esperar o ataque acabar. Até que ele me avistou. E eu não estava mais feliz por está com ele no meio disso tudo.
Mas balancei a cabeça fingindo coçar a sobrancelha porque ele notou minha cara de tonta quando eu comecei a pensar nisso. Não tinha permissão para sair pensando sobre isso, eu sou oque pra ele? Só uma menina. Nada demais. E ele pra mim é só um garoto que conheci como humano, mas que agora é um de nós.
-Onde vamos dormir? Parece que a cidade inteira foi atacada, não tem nenhum lugar inteiro... Vamos ter que ficar por aqui mesmo, e também... Se encontrarmos uma parte ainda inteira, não seria seguro ficar lá pois com certeza irão atacar também pra deixar tudo destruído, é sempre assim
Fiquei em silêncio esperando ele tomar uma decisão porque eu não tinha nem ideia do que realmente aconteceu comigo. E nem poderia ter tal raciocínio como ele acabou de ter agora. Ele é inteligente também?
-Olha, podemos ficar aqui
Ele apontou para uma casa pequena ainda inteira... Pela metade, ela estava somente com a frente destruída, ainda tinha telhado e eu esperava que tivesse dois quartos.

_______

Tivemos que limpar algumas coisas e trancar janelas ao meu pedido. Precisava ver ele fazendo isso para me sentir segura aqui dentro. Mandei ele se livrar do corpo do homem que estava no segundo quarto esmagado com ripas do telhado que desabou sobre ele. Ryan deixou o corpo do homem no quintal coberto por um plástico branco, depois ele lavou suas mãos e voltou para cozinha onde eu estava. A geladeira havia parado de funcionar devido à queda de energia, mas ainda tinha comidas boas.
Eu só tive que esquentar no fogão ainda funcionando e servi para nós dois que comemos ainda em silêncio tenso.
-Acho que todos deixaram você para trás
Ele comentou sorrindo olhando para seu prato enquanto mastigava, eu pensei sobre seu humor que apareceu de repente e sorri também. Mas fiquei pensativa sobre essa possibilidade que ele disse, talvez todos tivessem me deixado para trás... Mas eu não ligo muito pra isso.
-Não ligo pra isso... Desde que... Aquilo aconteceu... Ninguém mais fala comigo e eu não falo com ninguém. Quem contou aquilo sobre você, não foi eu, foi minha amiga que agora deve estar em outro lugar bem longe daqui... Me distanciei de todos por quatro semanas, fique pensando sobre... S-se você tivesse sido morto...
A última parte saiu baixa demais, eu estava com vergonha de ter dito isso tudo sem cortar certas partes desnecessárias. Cutuquei minha comida sentindo meu rosto quente depois que percebi que ele estava sorrindo ali. Que vergonha...
-Eu não ia deixar que me matassem assim tão fácil
-Aposto que você só teve sorte
-Fiquei chateado com aquilo que você fez... Pensei que não ia falar nada depois...
-Que você me ameaçou?
Completei olhando para o prato ainda ficando séria colocando um clima pesado entre nós sem querer.
-Eu só tenho um péssimo costume pra pedi favores aos outros
-Então você me enforcou só porque queria um favor meu?
-Você tem um péssimo hábito de piorar as coisas
-E você não sabe como ser educados com as pessoas
-Vamos parar com a discussão sobre mim e como sou bem educado com meninas e começar a falar sobre quem vai dormir no quarto do morto
-Eu não vou!
Exclamei imediatamente terminando de comer e jogando o talher dentro do prato de propósito. Cruzei os braços fazendo uma cara de brava e ele me imitou mostrando como era ridículo essa minha mania. Bufei e me levantei da cadeira indo em direção ao outro quarto, mas ele surgiu na minha frente me bloqueando me fazendo bater contra seu peito pela barragem inesperada. Fiquei vermelha encarando ele de cima por ser mais alto que eu, me sentir uma anã outra vez impotente de conseguir lutar pelo quarto bom.
-Não sou tão mau assim, pode ficar com esse... Mas eu vou colocar um colchão aqui porque lá naquele quarto eu não durmo
Ele passou do meu lado decidido a dormir no mesmo quarto bom, e eu pude soltar o ar passando a mão na minha nuca me sentindo aliviada por saber que ele irá dormir comigo me fazendo companhia. Tudo que não queria pensar, era no homem morto no quintal. Minha imaginação de criança me fazia pensar nele se levantando de lá e batendo na porta do nosso quarto pedindo um enterro digno.
Ryan voltou vinte segundos depois trazendo seu colchão e um lençol azul claro para se cobrir. Ajudei ele a pôr o colchão no chão e depois pedi que por favor fechasse a porta e passasse a chave. Ele negou e disse que faria calor, mas eu insistir tanto que ele finalmente desistiu depois de meia hora de discussão. Não contei sobre meu medo, é claro, ele ia rir de mim.
-Oque vamos fazer amanhã?
Perguntei colocando meu rosto na beira da cama pra olhar pra ele. Mas não respondeu, e em vez disso, bocejou e bagunçou seu cabelo preto e liso me dando vontade de fazer carinho lá também.
-Não sei... Você decide, boa noite
Não gostei do tom de voz dele, mas ele não percebeu minha cara irritada e se virou de lado puxando o lençol até o pescoço e ficou em silêncio depois de ter respirado fundo cansado.
Tentei fazer o mesmo, e conseguir dormir depois de alguns segundos me sentindo segura com ele ali do meu lado. Só espero que nada aconteça esta noite. Nada que tenha a ver com pesadelos ou barulhos estranhos pelo pequeno corredor.

A filha de Lucy. Onde histórias criam vida. Descubra agora