Capítulo 15 - Andando em cacos de vidro.

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Ryan me acordou batendo a porta com tudo na parede quando a abriu, eu levantei como se a casa estivesse pegando fogo e o encarei com os olhos arregalados. Mas ele apenas sorriu e encostou a porta de volta na parede colocando um vasinho de flor no chão para ela não voltar a se fechar.
-Desculpa... Essa porta tava me irritando... Mas já que acordou, vamos embora que tem muito chão pra chegarmos em algum refúgio porque não é possível que sejamos os únicos sobreviventes de um ataque
Ele dizia tudo como se tivesse falando com qualquer uma sem usar nenhuma delicadeza na sua voz, ele não via que eu ainda estava acordando? Pra quê gritar comigo? Porque ele está arrumando uma mochila?
-Pra onde vamos? Pra quê essa mochila?
-Não faça perguntas e vamos logo, vista essa casaco porque tá muito frio lá fora
Ele jogou em cima da minha cama um casaco vermelho com mangas grossas e compridas demais. Mesmo assim eu obedeci e vesti sem reclamar do tamanho, ele começou a fechar os bolsos da mochila e eu me apressei pra acompanha-lo. Fiquei do seu lado enquanto passava pelo quarto do morto que esperava que ainda estivesse onde Ryan havia o deixado.
Roubamos duas latas de sardinhas que estava na geladeira e comemos no caminho, mas eu ainda tentava abrir a minha pois ele não queria me ajudar. Eu fiquei com raiva por não ter forças no dedo para puxar o negocinho de abrir a lata, isso era sempre um desafio para mim. Também odiava implorar por ajuda, mas depois de tanta insistência, ele finalmente me ajudou mas como preço, tirou um pedaço da minha sardinha engolindo de uma vez sem piscar ou mascar.
-Tá vendo aquilo no céu?
Perguntou de boca cheia apontando para um rastro de fumaça branca no céu indo em direção norte. Eu observei aquilo meio abobada porque sempre admirava isso no céu, mas não era uma coisa boa como por exemplo um jatinho inocente em passeio. Com certeza era de guerra do exército dos humanos.
-Quer dizer que aquela direção já deve ter sido atacada, então vamos nessa aqui
Ele apontou para o leste dobrando em uma rua cheia de carros e com mais destroços ainda do que aquela que eu me acordei sozinha sem saber de nada que havia acontecido. Fiz uma careta pra ele mas ele me imitou de novo e puxou meu braço para ir com ele.
-Acho que você vai precisar fechar os olhos...
-Porquê?
Perguntei confusa mas me espantei quando olhei para seu rosto, ele estava encarando algo na sua frente que tinha o deixado assustado. Antes que eu pudesse virar para olhar também, ele já tinha colocado sua mão nos meus olhos e me puxado para seu peito. Fiquei ali ainda andando e reclamando por nele está me tratando como criança, mas parei assim que sentir cheiro de alguma coisa podre. Na minha cabeça logo veio a imagem de vários corpos na rua esmagados por pedaços de prédios e casas.
-Estamos quase passando Lin...
Ele disse ainda tampando meus olhos e eu fiquei calada esperando ele decidir tirar sua mão ainda andando de costas e de frente para ele. Aquele cheiro estava me deixando enjoada, mas fiquei quieta e não disse que queria vomitar por causa daquilo.
-Pronto... Só não olhe para trás
Ele disse segurando meu rosto e depois passando a mão atrás da minha cabeça me tratando como se fosse sua filha. Mas me sentir segura com isso, nunca tinha recebido atenção e carinho em uma dose excessiva como ele está fazendo comigo. Disse um obrigada com meu sorriso e continuamos a andar em silêncio sem comentar nada sobre aquele cheiro.
-Pra onde você está me levando? Você pelo menos... Conhece algum lugar seguro?
-Eu estava preparado pra isso, baixinha, conheço um lugar seguro sim e não precisa ficar com medo. Porque você teve a sorte de eu encontrar você no meio daquela rua, já que sou obrigado a cuidar de você agora... É melhor você fazer oque eu mandar
-Negativo... Eu sinto muito mas eu vou fazer oque eu quero, você não manda em mim, e já deu pra perceber que eu não sou de te obedecer
-Então estamos em guerra aqui também?
-Acho que sim... Se você ficar achando que manda em mim, estamos sim
-Muito bem então... Você para de reclamar e duvidar de mim, para de ficar com fome toda hora, para de ficar preocupada, para de ficar com medo, para me olhar como se eu fosse seu pai, para de brigar comigo sobre o lugar que dormimos...
-Tá bom! Chega
Pedi levantando as mãos na sua direção me colocando na sua frente. Eu ia levar em consideração algumas das suas exigências. Mas ele já estava querendo citar regras e indicações sobre nossa situação. Estamos no meio de um terreno devastado e ele quer mandar em mim?
-Não vou obedecer nenhuma das suas regrinhas eu mando em mim mesma, e também... Ninguém está obrigando você a cuidar de mim
-Deixa de bobagens, menina estranha, eu só não quero ficar sozinho no meio de tudo isso destruído... Você pode ser útil em alguma coisa
Bufei dando meia volta e andando para alguma direção no meio daquele monte de carro quebrados e abandonados pelos donos. Senti ele atrás de mim e depois um braço gelado envolvendo minha cintura de lado, fiquei sem jeito e o encarei confusa sem entender sua atitude. Mas ele só estava olhando para frente concentrado sem perceber minha surpresa enquanto a isso.
-Não vai se livrar de mim, chata, você morreria em segundos se eu te abandonasse
-Eu não sentiria sua falta
Falei me puxando para o lado me livrando do seu braço, mas ele se aproximou de mim de novo e voltou a me abraçar. Dessa vez com mais força me deixando irritada agora, mas não tentei me afastar mais uma vez.
-Vai aceitar ou não que nós dois estamos juntos nessa?
Fiquei em silêncio olhando para o chão com raiva como se ele tivesse culpa de alguma coisa. Não é legal saber que estou presa com ele nessa cidade destruída, preferia ficar sozinha, mas talvez ele esteja certo... Não sobreviveria.
-Que troço é aquilo?
Ele perguntou parando de repente olhando para alguma coisa se mexendo debaixo de um carro que estava com todas as janelas destruídas. O chão estava cheio de cacos de vidro e aquela pessoa estava lutando para sair debaixo daquele carro sem se arrastar.
-Vamos ajudar
Pedi indo na direção daquela pessoa quase correndo, mas fui pega pela gola do meu casaco e parei na hora olhando pra ele quase com medo do que ele iria dizer.
-Você esperar quietinha aqui... Não é trabalho pra meninas
Ele sorriu segurando meus ombros e depois me soltando indo ajudar a pobre pessoa que estava gemendo de dor ainda tentando sair debaixo do carro. Fiquei observando de longe ele segurar o braço dela e depois puxar para cima deixando-a em pé.
Corri quando finalmente percebi que era Sean todo machucado e com roupas queimadas, ele estava tonto também e eu me coloquei do seu lado tentando fazer ele olhar pra mim.
-Armie...
Ele disse rouco apontando para uma casa que havia sido incendiada. Depois tentou andar, mas acabou tropeçando e Ryan o ajudou mantendo-o em pé, e eu corri novamente em direção a casa queimada procurando ela embaixo do telhado que havia caído. Mas quando vi um pé com uma meia rosa e suja embaixo de uma porta, eu entrei em desespero e comecei a chorar correndo até lá e tirando aquela porta de cima dela me ajoelhando do seu lado e dando tapinhas no seu rosto.
Ela não estava gelada e tinha pulsação, e eu quase pude gritar de alívio quando ela acordou depois de um forte tapa que lhe dei pela segunda vez, mas agora era por uma boa causa.
-Lin...
Ela gemeu se levantando e me dando um abraço fraco me sujando de carvão e cinzas. Eu fiquei chorando jurando nunca mais deixar essa pirralha para trás. Disse no seu ouvido que me arrependo de ter tratado ela daquela forma lá no colégio e ela me perdoou. Era o mínimo que ela podia fazer depois que eu a ressucitei.
-Sean!
Ela gritou quando o viu do lado de Ryan que o segurava ainda mole e machucado com leves cortes do rosto por causa daqueles cacos de vidro. Os dois se abraçaram e eu e Ryan ficamos esperando os dois acabarem logo com a cena de filme repetitiva.
Mas não demoraram tanto, então já podíamos continuar nossa jornada até um lugar seguro sem mais interrupções.

A filha de Lucy. Onde histórias criam vida. Descubra agora