A noite passou, o dia amanheceu e Syrena não dormiu. Como poderia depois da visita inesperada que teve durante a madrugada? Tinha decidido que não gostava dele. Além de carregar uma bagagem emocional que lhe deixava claustrofóbica, era arrogante, ignorante e folgado. Como teve a audácia de invadir o seu quarto daquele jeito? Pensou seriamente que deveria tê-lo atirado janela afora pela afronta, mas reconsiderou em seguida. Não era porque tinha dons que deveria usa-los para coisas fúteis como aquela, mesmo que ele merecesse.
Quando ficou claro que ela não dormiria, a garota decidiu se levantar e ir ler, mas não estava com cabeça para aquilo. O livro que esperneasse e enrugasse as páginas à vontade, não iria até ele naquele momento.
Vestiu um vestido verde musgo com mangas que chegavam até os pulsos e colocou seu manto mais pesado por conta do frio que fazia naquela manhã. Depois de prender os cabelos em uma trança e se esconder com o capuz ela saiu do quarto e começou a passear pelo palácio. Encontrou poucas pessoas aqui e ali (ignorando quaisquer tipos de olhares) e seguiu para o andar do rei afim de ver Seth. Sabia que estava bem pois não recebeu nenhum sinal de que seu feitiço havia sido quebrado, mas queria vê-lo por considerar a criança uma espécie de irmão caçula.
Ao passar pela porta do escritório do rei ela ouviu vozes e foi diminuindo os passos até parar. Era o rei e Félix, o conselheiro. Pelo tom das vozes havia algo preocupando a ambos e ela apurou a audição sem se importar com o quão mal educado era aquilo.
-Meu senhor, seja sensato. Discutir com o povo de Bloodworth pode resultar em uma guerra que aniquilaria o senhor e o seu reino.
-Não vou deixar que a levem.
-Eles estão ameaçando nossas defesas caso não entreguemos a garota. Não é melhor devolvê-la aos seus semelhantes?
-Isso está fora de questão. Aqui é o lar dela. Tem que haver outro jeito...
Syrena não quis mais ouvir e continuou seu trajeto com o coração apertado. Ilíria estava correndo perigo por ela. O rei não queria abrir mão dela, e iniciaria uma guerra por conta disso. Claro, ela não queria partir, mas também não desejava ficar ás custas de uma guerra que dizimaria milhares de inocentes. Pensando nisso ela entrou no quarto do jovem príncipe rezando para que Marklon encontrasse um jeito de fazê-la ficar sem que ninguém inocente fosse morto no processo.
~*~
Depois de ficar algumas horas na companhia adorável de Septimus Syrena resolveu voltar para seu quarto. Seu estado de espírito não estava dos melhores para se estar ao lado de uma criatura tão pura, e quem sabe conseguisse até se concentrar no seu livro e descobri mais coisas. Ao menos uma distração para que ela não se corroesse de curiosidade.
Eram pouco mais de duas da tarde e ela não havia saído do quarto para comer. Estava entretida na sabedoria que o livro tinha a lhe oferecer, no entanto o mesmo se fechou sozinho assim que uma batida soou na porta.
Escondendo o objeto embaixo de um dos travesseiros ela rapidamente se levantou e foi atender quem quer que estivesse do outro lado. De certa forma não foi uma surpresa encontrar o rei a esperando do outro lado, embora Wilslley e Gael tenham sido inesperados.
-Syrena, podemos conversar?
-Hãn, claro. Esperem até que eu pegue...
-Não será necessário se esconder. -Ele a interrompeu. -Á essa altura todos comentam sobre quem e como você é.
Suspirando, Syrena anuiu e seguiu os três pelo caminho que os levaria á biblioteca, pois estava muito frio para o jardim da rainha. Durante o trajeto ficara feliz por usar roupas que escondessem tanto a sua pele dos olhos dos servos e guardas do palácio.
Quando chegaram na biblioteca de dois andares ambos se acomodaram nas poltronas confortáveis ali presentes e ela sondou a aura deles atrás de algo que lhe desse pistas sobre o assunto que tratariam. Infelizmente não encontrou nada além de muita seriedade e tensão, sinal que eles a estavam bloqueando e ela não gostou daquilo.
-Por que não desceu para comer? -Marklon perguntou de onde estava com um olhar de pai severo.
Ok, não começamos muito bem. Ela pensou suspirando e adotando uma postura mais ereta e aristocrática.
-Me distraí com meus estudos, mas não é sobre a minha falta de apetite que deseja falar não? -Ergueu uma sobrancelha na sua direção.
Foi a vez do rei suspirar antes de se remexer na cadeira como se houvessem tachinhas no assento. Algo claramente o incomodava e aquilo deixava Syrena para morrer de tanta curiosidade.
-Estive em audiência com o conselheiro real durante toda a manhã. Buscávamos uma forma de fazê-la ficar aqui sem termos problemas com Bloodworth.
-E a que fim chegaram?
A pausa que veio a seguir não foi nada boa. Marklon estava tenso, muito tenso, e no que quer que tivesse dado a tal audiência Syrena tinha quase certeza de que não iria gostar nem um pouco.
-Tecnicamente você não é uma cidadã legal de Ilíria por não ter nascido dentro das fronteiras do reino, por isso estava sendo difícil encontrarmos uma solução. Porém um escriba me chamou a atenção a uma clausula antiga, mas ainda válida em todos os reinos e aldeias. -Ele a olhou para ter certeza de que tinha a sua atenção para então continuar. -Você deve se casar.
Todo o sangue fugiu do rosto da garota, deixando-a mais pálida que o normal. Os três homens a sua frente ficaram em alerta para o caso de ela estar se sentindo mal mas Syrena apenas negou com a cabeça e olhou para o além durante um longo tempo. Certo, aquela não era exatamente a "solução" que ela esperava.
-Sua expressão é de quem recebeu a notícia de que irá para a forca. -Gael comentou ainda a analisando.
-Talvez seja porque eu me sinta assim. -Admitiu para então olhar para o rei suplicante. -Não existe nenhuma outra solução?
Marklon ficou momentaneamente surpreso com tal pergunta. Geralmente mulheres da idade de Syrena sonhavam com um casamento produtivo e proveitoso, então toda aquela recusa o deixou um pouco boquiaberto.
-Infelizmente não. -Falou lhe lançando um pequeno sorriso de consolo. -Mas não há o que temer. Como rei vou garantir que seu companheiro tenha o melhor caráter e possa lhe oferecer o melhor dessa vida.
Syrena sentiu o estômago vazo se revirar mas se conteve. Tinha o sonho de se casar e ter uma família, mas não naquelas condições. Sem amor, sem afeto. E além do mais que garantia teria de que seu digníssimo marido não teria sido comprado pelo ouro do rei para aceitar trocar votos com a "bruxa"? Para ela não valia o risco.
-Eu posso pensar no assunto?
-Não há o que pensar Syrena. Bloodworth deu seu ultimato e está me pressionando por uma resposta. Infelizmente, esse é o único jeito. -Suspirou e tocou o seu ombro tentando lhe passar conforto. -Enviei cartas há alguns amigos de confiança com filhos jovens e um deles há de ser do seu agrado. Virão conhece-la amanhã.
-Assim faz com que eu me sinta uma vaca prestes a ser leiloada. -Resmungou aborrecida.
-Como rei tenho que tomar decisões difíceis, e essa é uma delas. Não era para ser desse jeito mas as circunstâncias não me deixam outra opção.
Ela apenas anuiu e se levantou alisando a saia do vestido.
-Se não se importam, desejo ficar só. -Falou saindo sem pedir licença.
Enquanto voltava para o seu quarto ela já arquitetava um plano em sua mente. O rei errara. Existia mais de um jeito de lidar com aquela situação.
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A Bruxa - EM REVISÃO
FantasíaPLÁGIO É CRIME °Postagens toda Segunda-Feira °Prólogo já disponível °Capa feita por @FernandaRaquel3 18/06/2018 - 3° lugar em #vidente 18/06/2018 - 2° lugar em #vidente Syrena é uma refugiada de um povo completamente dizimado. Vivendo escond...