A esquecida

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Marina realmente estava surpresa com o estado que a cidade se encontrava. Ela estivera ali, trinta e dois anos antes. Sete anos antes do incidente que havia lhe custado a vida.
  Essa é a principal consequência por ficar "fora de circulação" por vinte e cinco anos, você fica surpreso ao ver o quanto o mundo mudou em tão pouco tempo. Seja para melhor, ou, como no caso de Harmoniosa, para pior.
  Enquanto ela estava no carro com os outros, ela olhava pela janela do veículo, vendo as ruínas do que um dia fora uma cidade próspera.

Marina: Eu... Queria ter aproveitado mais essa cidade nos bons tempos.

Sra. Santos: Você nem era nascida naquela época, querida.

Marina: Eu era sim, eu sou Marina Wolfheart.

Dora: Quem?

Julie: A garota que morreu num estupro vinte e cinco anos atrás.

Sra. Santos: Mas... Como?

Marina: Graças a sua neta, aos amigos dela, e a magia, eu consegui uma segunda chance de viver. Meu corpo está bem diferente, mas minha mente e ideais continuam os mesmos. Eu quero, e vou, ajudar a colocar esse lugar de volta no mapa.

Julie: Isso é realmente admirável.

Marina: Obrigada.

  O carro parou de repente.

Henry: Chegamos.

  Eles desceram do carro. A primeira coisa que Marina percebeu foi o enorme espaço aberto. Pelas traves um pouco enferrujadas, ela pôde perceber que aquele lugar se tratava de um velho campo de futebol amador. Provavelmente onde as crianças costumavam brincar. Não havia gramado, apenas terra.

Marina: Posso começar?

Dora: Vá em frente.

  Marina fechou os olhos, estendeu as mãos, e se concentrou, mandando toda a sua energia para o campo. Era mais difícil sem a ajuda de Dande, mas ela conseguiu fazer brotar um pouco de mato.

Julie: Pronto?

Marina: Pronto. Tem mais algum lugar aberto como esse dentro da cidade?

Sra. Santos: Não. Tem algo mais que possamos fazer?

Marina: Vocês tem sementes de algo para plantar?

  Dora pareceu ficar mais animada ao ouvir isso.

Dora: Talvez tenha algo útil na floricultura.

Julie: Floricultura? As lojas daqui não estão todas fechadas?

Dora: Eu abro a minha quando quero.

Julie: Oh! Ela é muito longe daqui?

Dora: Não, só umas duas quadras.

Henry: Vão vocês três, eu vou esperar aqui com a mamãe.

Marina: Certo, até daqui a pouco.

  Marina e Julie seguiram a tamanduá pelas ruas da cidade. Ela tinha certa cautela ao andar, como se estivesse lidando com algo delicado.
  A distância, Marina viu uma enorme construção de concreto, que ela deduziu ser uma fábrica.

Marina: Vocês já tiveram grandes indústrias por aqui?

Dora: Sim, tivemos uma fábrica de carros, mas ela fechou no começo da década de 1970. Eu era só uma garotinha. Nada mais foi construído naquele lugar, e a fábrica está abandonada há mais de quarenta anos. Só ocupando espaço...

Julie: Estamos perto? Da floricultura?

  Dora pareceu sair de um "transe".

Dora: Sim, é bem alí.

  Dora apontou para um pequeno estabelecimento no outro lado da rua. Ele parecia estar um pouco mais conservado do que os outros estabelecimentos daquela rua, provavelmente indicando que havia sido um dos últimos a fechar.
  Marina olhou pela vitrine, e viu muitas plantas mortas, secas e sem vida, naquele lugar.

Marina: Então... Você trabalhava aqui?

Dora: Eu era a dona da loja.

  Dora removeu um colar de seu pescoço. Na ponta dele, havia uma chave, e ela a usou para abrir a porta da loja. Ela entrou, e esperou as garotas fazerem o mesmo.

Dora: Tão esperando o quê? Um convite impresso?

  Marina e Julie não hesitaram depois disso. Dentro da loja, Marina perguntou:

Marina: Onde estão as sementes?

Dora: Nos fundos, me acompanhem.

  Elas acompanharam Dora até o os fundos da loja, através de uma porta bem ao lado do caixa. A sala era escura, pois aparentemente, a energia havia sido cortada. Nessa sala haviam prateleiras, mas a maioria estava vazia.
  Dora se aproximou e pegou dois pequenos pacotes de sementes, os últimos que restavam.

Dora: Petúnia e Lírio... Foi tudo o que sobrou.

Marina: Acho que é o suficiente.

Dora: Acho que essas sementes estão muito velhas, talvez não germinem.

Marina: Eu dou um jeitinho nisso.

  Mas então, Julie jogou a bomba.

Julie: O que te fez ficar aqui?

  Dora estremeceu, e ficou mais séria do que o normal.

Dora: Vocês realmente querem saber?

  Ambas as garotas hesitaram por um momento, mas Marina respondeu:

Marina: Sim.

Dora: Eu estou aqui por causa de mentiras. Eu sou Alguém que foi esquecida pelos outros.

Julie: Como?

Dora: Eu já era uma moça relativamente madura quando as coisas começaram mesmo a dar errado por aqui. Eu herdei essa floricultura de minha mãe. Na virada do milênio, eu conheci um homem, da minha espécie. Ele era muito gentil comigo.

  Ela parou de falar por um instante, como se estivesse visualizando tudo.

Marina: E o que aconteceu depois?

Dora: Os anos foram passando, minha família saiu da cidade, mas eu decidi ficar mais um pouco, por causa do meu... Namorado.

  Ela parecia prestes a desabar em lágrimas. Marina e Julie se aproximaram, e cada uma colocou uma das mãos nos ombros dela. Ela abraçou as garotas, desabando em lágrimas. Demorou um pouco para ela poder continuar.

Dora: Quando a situação piorou... Quando íamos sair da cidade... Ele fugiu com outra! Ele me deixou sozinha, envelhecendo nesse buraco! Longe de todos aqueles que eu amava, e que um dia me amaram de verdade...

Marina: Bem... Ao menos você está viva.

Dora: Sim, mas por quanto tempo?

Julie: Não sei, mas você pode aproveitar.

Marina: Eu sei muito bem como homens podem ser cruéis.

Dora: Eh, você foi morta por um, né?

Marina: Exatamente. Mas eu sei muito bem que, assim como existem pessoas cruéis nesse mundo, existe um número ainda maior de pessoas boas.

Dora: Vocês tem namorados?

Julie: Sim, eu namoro aquele guepardo que veio com a gente, o Ryan.

Dora: Espero que você não passe pelo o que eu passei. Mas e você, Marina? Já teve ou tem algum namorado?

  Marina ficou corada por um instante.

Marina: Eu tenho... Uma namorada.

Dora: Oh! Bem, tudo de bom pra você. Sabe, botar tudo isso pra fora me fez sentir melhor.

Marina: Talvez eu possa fazer algo mais por você.

  Marina emitiu um pulso de energia, e as flores e plantas da loja voltaram a vida, readiquirindo suas cores no processo. Os olhos de Dora estavam brilhando.

Dora: Eu vou cuidar para que isso continue assim, até o fim dos meus dias.

Seasons of an Young LionOnde histórias criam vida. Descubra agora