Caledonia

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Tom sabia que havia algo estranho assim que abriu os olhos. Havia algo faltando, apesar de, pelo que ele enxergava de onde estava na cama, tudo estar no lugar. A luz cinzenta do dia londrino entrava pelas frestas na cortina e iluminava o pequeno apartamento, seu casaco e sapatos estavam jogados no chão e ele não se lembrava de tê-los tirado, a cama estava desarrumada...

O rapaz se levantou, sentindo sua cabeça meio aérea. O local ainda parecia distante e um tanto estranho, como se Tom estivesse enxergando tudo por detrás de um vidro... Ele se perguntou se era assim que os fantasmas enxergavam o mundo dos vivos, como uma outra dimensão, longe e perto ao mesmo tempo. Os sons da rua se embrenhavam pela janela, anunciando que o dia já havia começado na capital, e Riddle afastou a cortina para olhar as pessoas andando, apressadas, lá fora.

Um arrepio subiu pelo seu braço e o bruxo encolheu os ombros, olhando em volta. Ele sabia que não veria nada, mas já havia aprendido a reconhecer a sensação. Aquela era a reação do seu corpo ao ter um fantasma o atravessando e, por não ver nada, sabia que se tratava de seu pai. Era o jeito que o trouxa havia aprendido de chamar-lhe a atenção, apesar de Riddle ainda não saber como ele conseguira isso... Helena havia falado que fantasmas trouxas não eram vistos, ouvidos ou sentidos.

"Por que não falou quando eu estava dormindo?" o rapaz resmungou, apesar de agradecer por isso não ter acontecido. A noite anterior já havia sido um turbilhão inesperado de emoções por conta do médico legista, ele não precisava de mais um trouxa lhe deixando confuso e angustiado.

O restante da manhã fora normal. Café, banho de água fria, roupas, caminhada até o Beco Diagonal, trabalho... Hermione não aparecera em nenhum momento, mas Riddle sabia que Ollivander gostava de iniciar o turno de trabalho cedo e, de certo, a garota já devia ter saído antes de ele acordar. Outra coisa pela qual ele agradecia, pois, se sua memória não estivesse lhe enganando, Tom Riddle não sabia como iria encarar Hermione Elston naquele dia.

O Sr. Burke o repreendeu três vezes naquele dia, pela sua falta de atenção, e até mesmo o Sr. Borgin, mais compreensivo e com maior afeição por ele, perguntou se estava tudo bem depois que ele se esqueceu do nome de uma cliente de longa data. A questão era que Tom podia conversar com cada bruxo ou bruxa que entrava na Borgin & Burke's o quanto quisesse, mas, naquele dia, cada palavra entrava em seus ouvidos e passavam despercebidas pelo seu cérebro: nada se fixava em sua memória de curto prazo, que estava ocupada demais se lembrando do medo e angustia que sentira quando chegara em casa na noite anterior e de como as palavras escaparam de sua boca na frente de Hermione. O estômago do rapaz parecia ter se contorcido ao ponto de dar um nó em si mesmo e nem mesmo um biscoito ele conseguira comer durante o dia inteiro.

Riddle agradeceu à Deus, Merlin, Morgana, Morgause e todo e qualquer divindade possível quando o seu expediente acabou. O Beco já tinha as suas luminárias acesas e a loja de Ollivander estava fechada. Hermione já devia ter ido para casa.

Mas Hermione não estava no apartamento quando o estalo da aparatação fez o rapaz notar que havia chegado. O lugar continuava escuro e vazio e, só então, ele entendeu o que faltava ali: magia.

Tom já havia ouvido falar de bruxos e bruxas que eram mais sensíveis, pessoas capazes de identificar as particularidades da magia de cada um... Ele, em particular, não tinha uma percepção tão apurada, mas sabia dizer quando havia magia em um lugar e, de uma forma mais grosseira, identificava aquelas que lhes eram mais familiares. Ele sabia o peso do ar quando Hermione estava por perto e como ele se tornava mais fresco quando Abraxas se juntava a eles. Naquele momento, não havia frescor e nem um peso adicional. Havia a sua magia, algo vindo de dentro e que começava a se agitar, e nada mais. O apartamento parecera, de repente, o muquifo que Abraxas sempre descrevia: feio, escuro, frio e vazio.

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