"Madame Samovar"

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Cheguei à Nova York e Jessie me esperava no aeroporto. Ele era uma espécie de melhor amigo na Editora. Desde que fui contratado, era ele quem me ajudava com tudo. Desde ser meu guia e motorista, até me contar todas as fofocas que rolavam. Jessie era mais novo que eu, e trabalhava como um "faz tudo" da empresa.

A hospedagem era sempre bancada pela editora e dessa vez eles me hospedaram em um hotel que ficava em frente ao Central Park, bem diferente das outras vezes.

- Nossa, dessa vez a empresa caprichou hein. Quando liguei pra confirmar a reserva e meus dados, não imaginei que fosse um quarto tão grande e bonito. Oque eu fiz pra merecer tanto hein?

- Oque você fez eu ainda não sei, mas que seu nome tem rolado um bocado lá no escritório isso tem. -Jessie falou enquanto admirava a vista das janelas que iam do chão até o teto, revelando uma vista maravilhosa do parque.

- Como assim rolando? Isso você ainda não tinha me dito.

- Eu não te falei porque não ouvi nada que fosse concreto. Mas parece que entrou um bom dinheiro na editora, e tem algo a ver com seu livro. Isso é tudo que eu sei. Além disso, você já estava pra vir, então preferi não falar nada. - Ele disse verificando cada cantinho do quarto.

Nesse momento meu celular tocou. Meu coração pedia que fosse Gustavo ligando, mas era Robert, o diretor da Editora.

- Então meu querido, chegou bem da viagem? Espero que tenha gostado do quarto que reservamos pra você! - Ele disse sendo mais gentil que o de costume.

- Gostei sim, mas já estava acostumado com o outro hotel, espero que essa hospedagem não saia do meu bolso. - Eu disse tentando disfarçar a curiosidade.

Robert também disfarçou dizendo que por eu ter ficado entre os best-sellers do ano fiz por merecer aquele tratamento. Mas eu sabia que havia algo por trás de toda aquela gentileza. Logo Robert que nunca foi muito gentil comigo por saber da minha história com Pedro, de repente resolveu ser legal?

A ligação terminou com Robert me passando os detalhes da reunião que teríamos no dia seguinte. Já Jessie precisou voltar a empresa e eu decidi dar um volta pelo Central Park.

Após uma boa caminhada em meio a vários pensamentos, fui almoçar no restaurante italiano que ficava ali perto.

Como sempre me sentei à mesa mais afastada, pois de lá eu podia comer e analisar as pessoas em volta. Eu gostava de fazer o exercício de imaginar oque cada um fazia, oque cada casal conversava, oque as pessoas que almoçavam sozinhas pensavam e porque estavam sozinhas. Cada um naquele restaurante era um personagem diferente.

Comecei por um casal que estava bem na minha frente.
O homem bem vestido de terno e gravata devia ser algum executivo ou advogado que trabalhava em um daqueles prédios em volta do Central Park. Ela já não estava tão bem vestida assim. Tinha um ar meio colegial, com seu vestido amarelo e cabelo jogado de lado. Eles acariciavam suas mãos e trocavam olhares o tempo todo. Ao mesmo tempo, eu o via olhando em volta com certa frequência. E foi quando o maîtri chegou pra atender a mesa deles que eu "descobri" qual era a história dos dois.

Ele era casado e ela sua amante. Vi sua aliança no momento em que ele levantou a mão pra pegar o cardápio, já ela não tinha nada nos dedos além de um anelzinho de bijuteria barata.
E pelo jeito que os dois se derretiam um pro outro, não tinha erro.

Numa outra mesa vejo uma senhora, cheia de joias e uma roupa impecável. Aparentando ter uns setenta e poucos anos, ela tomava uma taça de champanhe enquanto olhava pela janela do restaurante, completamente perdida em seus pensamentos. Fiquei um tempo observando seus movimentos completamente leves e delicados. Até que o garçom trouxe meu prato.

- Boa tarde! Aqui está seu pedido. Aceita uma taça de vinho pra acompanhar?

- Obrigado Lukas, aceito sim. - Respondi lendo seu crachá.

Ele sorriu mostrando seus aparelhos.

- Desculpe a intromissão, mas não pude deixar de notar que o Senhor está a um bom tempo olhando pra Madame Samovar. Você a conhece? - Lukas perguntou.

-Nossa, deu pra notar assim? - Perguntei desviando o olhar.

- Não se preocupe. Eu é que estava olhando pra você e pude notar. - Acho que ele estava me cantando.

Lukas se virou e foi buscar o vinho. Ao voltar ele me serviu e se desculpou por ter sido tão deselegante.

- Não se preocupe com isso. Você não foi deselegante. Talvez um pouco direto demais, mas está tudo bem.

O prato estava maravilhoso e o vinho que Lukas havia sugerido fez toda a diferença. De vez em quando podia notar ele me olhando de longe, mas apesar de ser muito bonito eu agora estava namorando.

Após almoçar, pedi a conta e me despedi de Lukas, e no momento em que passava próximo a sua mesa, ouço a voz da velha Senhora.

- Meu Nome é Madame Samovar, tenho 80 anos e sou viúva. Há algo mais que o Senhor queira saber?

Eu não sabia onde enfiar a minha cara depois daquilo.

- Meu Deus, me desculpe. Não queria se inconveniente, Senhora. Mil perdões.

Abaixei a cabeça e já do lado de fora, ouço a voz da velha senhora, mais uma vez.

- Eu também costumava fazer esse mesmo exercício, mesmo que meus tempos de escritora tenham ficado lá atrás. Encontre-me aqui as dezessete horas pra tomarmos um chá. Depois desse tempo todo me observando você deve imaginar que eu não aceito um não como resposta.

Ela levou a taça até a boca e não disse mais nada. A altivez daquela mulher me lembrava Miranda Priestly, de O Diabo Veste Prada.

É claro que eu estaria ali no horário marcado. Sempre fui louco por novas histórias, e aquela senhora tinha algo de especial que me intrigava. Eu precisava descobrir o que era.

De volta ao hotel, resolvi ligar pra casa dos Walter. Precisava de notícias de Gustavo.

Laura, me disse que ele ainda não tinha voltado em casa, e pediu que eu não me preocupasse que assim que ela o visse pediria que me ligasse.

Apesar de ele ter ido atrás do Théo na noite anterior, pra mim pareciam dias, eu estava preocupado.

...

Após um bom sono acordei as quatro horas com um barulho no quarto ao lado. E não podia nem reclamar, já que se não fosse esse "despertador" eu teria continuado a dormir e provavelmente perderia a hora.

Cheguei ao restaurante por volta das quatro e quarenta, e dei de cara com uma placa de fechado pendurada na porta. E quando já me virava pra voltar ao hotel vejo Lukas vindo até a porta.

- Boa tarde Gabriel. Madame Samovar ainda não chegou, mas entre, por favor.

Eu não estava entendendo nada.

Lukas estava sem o uniforme de garçom, e pelo que pude ver ele estava sozinho, não havia nenhum outro funcionário.

- Aceita um suco? - Ele perguntou com um sorriso de canto a canto.

Ele me trouxe um suco de laranja e voltou pra cozinha. Precisava acabar de preparar o nosso lanche segundo ele.

Madame Samovar chegou às cinco horas em ponto. Quando me preparava pra chamar por Lukas, vejo o homem que a acompanhava puxar uma chave e abrir a porta.

Me levantei pra recebê-la.

- Boa tarde! Pode se sentar Gabriel. Nós temos muito que conversar.

Até o fim...Onde histórias criam vida. Descubra agora