No dia seguinte fomos até a cidade e ficamos sabendo do enterro de Fábio. Gustavo com aquele coração besta dele ameaçou querer ir ao enterro, mas eu logo o fiz mudar de ideia.
Procurávamos uma nova escola para o Théo quando um senhor nos parou na calçada, chamando Gustavo de Nelson. Ele olhou Gustavo no fundo dos olhos por algum tempo, então falou: "Nossa, como você se parece com seu avô Gustavo."
Aquele velho senhor se chamava Samuel, ele era o avô de Fábio.
Ele usava um casaco grande, óculos e um chapéu enorme. Segundo ele para que ninguém o reconhecesse.- O povo dessa cidade me fez muito mal. Prefiro que não saibam que eu estive aqui. Vim na intenção de acompanhar o enterro de meu neto, mas acho que não vou conseguir ir até o cemitério sem que alguém me reconheça, e creio que ainda não sou bem vindo entre meus familiares.
Samuel se despediu e já ia andando quado resolvemos convidá-lo para se juntar a nós no restaurante de Iza. Ele demonstrou certa resistência, mas por fim acabou cedendo.
Lídia nos atendeu e eu pedi a mesa de costume, a mais afastada de todas.
Nós três conversamos durante horas, e com os olhos cheios d'água, Samuel nos contou como aconteceu sua história com Nelson, avô de Gustavo.
- Eu conheci seu avô durante uma noite de muita chuva. O pneu do meu carro havia furado e pra piorar minha situação o step estava vazio. Já passava das dez da noite e ele foi o único a parar pra prestar ajuda. - Era visível o amor nos olhos dele, enquanto contava aquela história. - A amizade surgiu num piscar de olhos. Era impossível não gostar de Nelson. Eu já o via de longe pela cidade, sempre cumprimentando a todos com aquele sorriso enorme no rosto.
Após aquela noite, nós voltamos a nos encontrar no dia seguinte no mercado da cidade. Conversamos, ele me contou sobre a família dele, eu falei sobre a minha e marcamos de pescar no rio que passava perto da casa dele. Foram tardes inteiras, bebendo e jogando conversa fora. Nós não éramos bons na pescaria. O cesto voltava quase sempre vazio, mas o coração cada vez mais cheio. Eu contava as horas para chegar o fim de semana e poder passar um tempo com meu amigo. No início ele era só isso pra mim. Um bom amigo, com quem eu gostava de conversar, reclamar da vida conjugal, falar sobre futebol.
Mas certo dia, enquanto fazia sexo com minha mulher, eu comecei a me imaginar com ele na cama, não com ela. Eu queria estar ali com o Nelson.Fomos interrompidos, por Lídia que nos trazia nossas xícaras de café.
Samuel, olhava fixo para suas mãos, onde ele trazia um crucifixo.- Foi então que eu descobri que estava apaixonado por ele. E no fim de semana seguinte eu apostei todas as minhas fichas. Eu não sabia oque poderia acontecer. Ele podia me dar um murro no meio da cara, contar pra minha família, espalhar pela cidade inteira que eu era uma bixa, mas eu estava disposto a arriscar.
Como sempre após pescarmos, nós tomávamos banho no rio. Eu fiquei olhando enquanto Nelson tirava a roupa e ficava só de cueca. Eu nunca tinha realmente reparado o quanto ele era bonito. Entramos na água e num rompante de coragem eu me atirei em seus braços, e dei um beijo em sua boca. Então o medo tomou conta de mim e eu me afastei pedindo mil perdões e dizendo que a cerveja que tinha tomado havia feito efeito.
Mas ele me puxou de volta e me beijou com toda a vontade do mundo. Seu peito peludo no meu, seus braços ao meu redor, foi tudo perfeito. Foi a tarde mais importante da minha vida.
Após aquele dia, nós tentávamos nos ver quase todo dia. Ele inventava trabalhos até altas horas, eu dizia que precisava ficar um tempo a mais na oficina, e assim nós vivemos por três longos anos.
Ninguém desconfiava de nada, afinal nós éramos bons amigos e nossas famílias se gostavam. Por várias vezes programamos viagens em família para praia, e enquanto as mulheres faziam a comida, e as crianças se divertiam na praia, nós nos amávamos no sótão.
Mas estava tudo dando certo demais.
Em um certo dia de pescaria, o pai de Fábio viu eu e Nelson nos beijando na beira do rio, e não foi qualquer beijo. Nelson havia acabado de me pedir pra fugir com ele.
Ele tinha um bom dinheiro guardado em algum canto da casa que ele nunca me disse, e deixaria esse dinheiro que daria para as nossas famílias viverem bem por um bom tempo. E eu havia aceitado fugir com ele sem olhar pra trás.Gustavo ouvia a cada palavra como um estudante que presta atenção na explicação do professor. Eu só conseguia pensar em como nossas histórias podiam ser tão parecidas em alguns pontos.
- Nós não sabíamos que alguém tinha nos visto ali. Até então aquele lugar era só nosso.
Mas ao chegar em casa, eu fui surpreendido por vários tapas de minha esposa que chorava enquanto me batia. Os vizinhos podiam ouvir a tudo. Eu tentei negar, mas por fim acabei confessando. Contei que estava apaixonado por outro homem e que sairia de casa assim que arrumasse outro lugar pra ficar. Fui obrigado a dormir na sala e no dia seguinte ao sair de casa pude ver nos olhos de cada um o julgamento. Em cidade pequena as notícias correm com o vento.
Por diversas vezes tentei falar com Nelson, mas o telefone estava sempre ocupado, ou quando sua avó atendia, me xingava e desligava o telefone na minha cara. Era óbvio que eles também já sabiam de tudo.
Eu continuava indo ao rio na esperança de encontrá-lo, mas ele nunca apareceu.
Até que numa manhã chuvosa, minha ex esposa com um sorriso irônico no rosto me disse "Acabou, o seu grande amor será enterrado hoje às três da tarde."
Aquilo destruiu a minha vida. Eu o amava tanto, que no inicio o odiei por me deixar nessa vida sozinho.
Mas por fim, eu acreditei que ele não via saída pra aquela situação. Eu nunca soube o porquê ele havia se matado, ou porque ele nunca mais falou comigo. Mas eu tinha certeza do seu amor por mim. E tenho certeza que ele sabia do meu amor por ele também.Samuel então levantando os olhos pediu pra abraçar Gustavo.
- Você se parece muito com ele. E pelo que pude perceber não só na aparência. - Ele sorriu olhando pra mim. - Eu queria pedir uma coisa a vocês, posso?
- Claro! - Respondi.
- Não deixa que a cabeça dessas pessoas mal amadas dessa cidade separem vocês. Se possível saiam daqui. Vão viver onde vocês possam ser vocês mesmos. Sejam felizes para sempre!
Ele então nos mostrou o crucifixo que não saiu de suas mãos enquanto ele nos contava sua história.
- Foi Nelson quem me deu esse crucifixo. Ele disse que enquanto eu estivesse com ele, ele estaria ao meu lado, não importa oque acontecesse com a gente. Então, desde aquele dia, eu nunca mais me separei desse crucifixo. Mas eu já estou velho e sinto que a qualquer hora me juntarei ao meu grande amor. Por conta disso, eu gostaria que você ficasse com ele Gustavo.
Gustavo tentou recusar o presente, mas não teve jeito.
Samuel foi embora e nos deixou com o coração na mão, após a saída dele, Gustavo me abraçou e começou a chorar como uma criança.Gustavo me pedia desculpas enquanto chorava e me abraçava apertado.
Uma semana depois, ficamos sabendo pelos jornais que Samuel havia sido encontrado morto em sua casa na cidade de Nova Orleans. Ele morreu dormindo em sua cama, com a foto de Nelson nas mãos.
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Até o fim...
RomantikFomos ensinados a acreditar que o amor é como os contos de fadas que víamos ou líamos quando éramos crianças. Mas no mundo real isso é bem diferente. Às vezes precisamos passar por alguns contratempos até conseguirmos chegar ao tão esperado "Felizes...