" Desculpa a hora e o mal jeito. Meu nome é Gustavo Brown."

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Diferente de outras pessoas eu adoro a atmosfera da minha cidade em dias de chuva. Mas não é qualquer chuva e sim aquelas chuvas torrenciais cheias de trovões e relâmpagos.

Eu morava em Lilith. Uma cidade de poucos habitantes onde quase todo mundo se conhece e a maior parte da população se concentra no centro, que é onde fica o comércio local.

Já eu, morava do outro lado da cidade, onde só haviam 3 casas.
A minha onde morávamos eu e minha cadela Lana, a dos Walter, um casal de velhinhos a quem eu adoro visitar, e a velha casa abandonada dos Brown.

Vivia sozinho desde a morte da minha mãe. Na mesma época meu namorado Pedro se mudou pra Califórnia pra estudar cinema e eu passei a me dedicar ao livro que escrevia.

Sempre que chove o que eu mais gosto de fazer é dar uma pausa no que estiver fazendo e assistir ao meu gênero de cinema favorito, terror.

Naquela noite o filme escolhido foi A morte do demônio. O clássico de 1981.

O filme começa e enquanto eu detono minha panela de brigadeiro, Lana dormia aos meus pés. Lá fora trovões e relâmpagos ajudavam dando o clima ideal.

A noite seguia perfeita até que batidas  na porta quase fizeram meu coração sair pela boca. 
Como eu disse meus únicos vizinhos eram um casal de velhinhos e a uma hora da manhã eu tinha certeza de que eles já estavam dormindo.

Lana correu até a porta latindo feito louca, enquanto os gritos no filme só me ajudavam a sentir mais medo.

Ainda no sofá grito perguntando quem é, mas ninguém responde. Grito mais uma vez, e uma voz masculina diz: "Oi, meu nome é Gustavo, você pode me ajudar? Gustavo Brown".

Brown, alguém da família Brown batendo a minha porta, a uma hora dessas? Foi o primeiro pensamento a passar pela minha cabeça.

Ainda com o coração na boca, fui até a porta e olhando pelo olho mágico vi, uma figura branca, de cabelos pretos e óculos de grau, completamente molhado na varanda da minha casa.

Abri a porta ainda com medo, mas eu não podia deixar alguém ali na porta daquele jeito.

- Oi. - Eu disse tentando disfarçar o medo.

- Oi, boa noite. Desculpa a hora e o mal jeito. Meu nome é Gustavo Brown, eu acabei de me mudar pra cá, mas a chave que eu tenho não quer abrir a porta e eu preciso muito carregar meu celular pra poder ligar pra um chaveiro. Você poderia me ajudar?

Ele era uma das coisas mais bonitas que eu já tinha visto na vida. Um ar de nerd, misturado com algumas tatuagens no braço e um corpo de fazer inveja a qualquer um dos moradores de Lilith.

Fico mudo por alguns segundos e após o susto passar consigo reagir.

- Entra, por favor. Você está encharcado.

-Não, melhor não. Vou molhar sua casa inteira. Só me diz onde tem uma tomada aqui fora que você já me ajuda. - Ele disse abrindo um sorriso.

-Por favor, entra que eu vou buscar uma toalha pra você, e enquanto isso você pode usar a tomada ao lado da janela.

Fui até o andar de cima e peguei 2 toalhas das grandes pra ele.

- Pronto, toma aqui e se seca ali perto da lareira, antes que você pegue uma pneumonia.

Ele vestia uma camiseta branca, calças jeans e um All star preto.

- Então, você me disse que está de mudança pra cá, é isso mesmo?

- Sim, eu estou de mudança pra antiga casa do meu avô. Acabei de me separar, e decidi me afastar da correria da cidade grande. Eu sou artista plástico. Pinto quadros, faço esculturas, e aqui parece ser o local ideal para me reconectar.

- Poxa, que legal. Mas e seus filhos? - perguntei como quem não quer nada.

- Théo ficou com a mãe, por questões de escola entre outras coisas. Então ele vem me visitar a cada 15 dias.

Após falar do filho, ele então conseguiu ligar o celular e falar com o chaveiro, que só poderia vir no dia seguinte, deixando um ar de decepção evidente em seu rosto.

-Então é isso! Obrigado pela ajuda, mas pelo visto eu precisarei arrombar a minha própria porta pra poder entrar em casa. - Ele disse me entregando as toalhas molhadas, quando eu fiz algo que sabia que não era o mais sensato. Eu o convidei a ficar sem pensar no que poderia acontecer.

- Não, não precisa. Essa noite você pode dormir aqui no meu antigo quarto. Eu te empresto umas roupas e amanhã você resolve isso. Sabe quanto custa uma porta do tamanho daquelas aqui em Lilith?

Gustavo aceitou abrindo um sorriso tímido.

-Vou aproveitar então pra rever um dos meus filmes de terror favoritos, que lá da porta eu reconheci pelos gritos. Você está assistindo A morte do demônio, não é?

Meu Deus, o cara além de gato, gosta de filmes de terror? Pensei.

Após se trocar, Gustavo se sentou ao meu lado, já Lana que estava mais do que acostumada a ele, se deitou com a cabeça em seu colo.

Acordei ainda no sofá com a luz do sol em meu rosto. Olho ao redor e não vejo nem vestígios de Gustavo. Levantei e fui até o quarto de hóspedes, mas nada dele.

Ao chegar a cozinha, me deparo com a mesa de café toda arrumada e um bilhete. "Obrigado, pela hospitalidade, prometo te recompensar de alguma forma.
                                    Gustavo Brown."

Senti algo diferente ao ler aquele bilhete. Um aperto estranho no peito. "Para de doideira Gabriel" - pensei.

Não sei o que houve naquela noite. Mas algo que parecia adormecido havia acordado.  

Até o fim...Onde histórias criam vida. Descubra agora