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A coloquei perto das margaridas brancas.
A essa hora o local estava vazio. Seus pais deviam estar em alguma atividade da igreja.

Limpei Margarida e arrumei antes de trazê- la para cá.
Penteei seus cabelos e os deixei soltos.
Ela estava em cima de um lençol também branco. Estava com o semblante tranquilo. Como se tivesse dormindo.
Ela estava maravilhosamente linda .
Como eu pensei que estaria.
Exatamente como eu imaginei.
Linda na morte .

Arrumei os arranjos em volta dela e coloquei um ramalhete de pequenas flores em suas mãos.
Seu vestido estava sem nenhum defeito.
Me abaixei ao seu lado e passei meus dedos em seu rosto numa carícia suave. Beijei seus lábios e lhe disse adeus.
Sai da estufa sem olhar para trás.
Fechei a porta e sai na madrugada fria.
Um vento chato não dava folga.
Parecia que iria chover mais tarde.
Hum.

Ainda bem que Margarida está em casa.
Logo sua família a encontrará e seguirão em frente.
Suspirei pensando nela.
Pena que ela teve que partir.
Ela era muito especial.
Mas a sensação que eu tive enquanto tirava sua vida, ouvindo seu desespero, sabendo que chorava por saber o que aconteceria quando não atendi seus pedidos....
Me senti vivo.
Mas como sempre a sensação duraria pouco.
Ultimamente não tem sido o suficiente.

Eu aproveitaria esse período de paz e planejaria meus próximos planos.
Talvez eu vá visitar Rosa.
Ter certeza de que ela fez o que eu mandei.
Só de pensar em Rosa sinto uma raiva somada com decepção. Eu a quis tanto e no fim, não valia a pena.
Ouro de tolo, como dizia meu pai.

Ele sim sabia das coisas.
Sinto falta dele.
Uma pena que minha mãe não o compreendia.
Ela sempre fazia tudo errado e depois não queria enfrentar as consequências.

Entrei num táxi e dei meu endereço ao motorista que nem me olhou direito.
Pessoas desatentas.
Alvos fáceis.
Fáceis demais para mim.
Nos últimos anos, tenho pensado nos ensinamentos de papai.
É como se eu escutasse sua voz o tempo todo.
Preciso visitar o túmulo dele, alias.

Só tenho que tomar cuidado para que minha família não saiba. Eles não gostam muito que eu vá naquele lugar.
Segundo eles, eu deveria esquecer o passado.
Mas como posso esquecer se ele sussurra no meu ouvido desde sempre?

Papai me disse uma vez, quando ainda era criança, que para alcançar o paraíso precisamos fazer sacrifícios.
No fim, seríamos recompensados.

Ele sempre me perguntava se eu queria o paraíso.
Eu quero sempre o paraíso.
Nem que eu tenha que encontrá- lo aos poucos.
Eu vou ter novamente essa sensação.
Essa sensação maravilhosa de que tenho algo só meu e de mais ninguém. Algo puro. Que não está contaminado por essa porcaria de lugar.
Como minha mãe.

Ela era segundo papai, o exemplo perfeito de mulher errada.
Eu via isso. Ele me mostrava sempre que a castigava.
Mas ela nunca se arrependia de nada.

Houve um tempo em que ela parecia prefeita.
Então ela surtou e disse que papai era um monstro e queria que eu fosse igual a ele.
Minha mãe não o compreendia.
Ela não nos compreendia.

Depois dessa discussão, ela ficou um bom tempo no quartinho.
Eu só queria que ela me visse. Mas ela não via.
Nunca viu.
Ela só via uma extensão do meu pai.
Eu era algo horrível para ela, que me disse várias vezes que não queria ter tido.

Ela era uma pessoa muito triste.
Eu rezei por ela muitas vezes, escondido de papai.
Ele dizia que mamãe não iria pro céu porque a alma dela estava no inferno.
Depois do que aconteceu, eu tive certeza que ela vai ser recepcionada pelo próprio capeta.

Eu suspiro pelas lembranças insistentes que inundam meus pensamentos.
Eu quero sentir de novo.
É meu objetivo.
Eu quero mais dessa sensação maravilhosa.

O Assassino Dos Contos De FadasOnde histórias criam vida. Descubra agora