Cecília
Um mês depois de completar dezesseis anos, eu estava dentro de um carro. Lembro-me que chovia intensamente e o barulho constante sobre a parte superior do táxi era surpreendentemente acolhedor. Ainda estamos no verão, mas a chuva não dava a mínima para isso.
Distraída. Esse era o meu estado naquela manhã.
Poderia estar pensando em como me adaptaria na nova cidade, se seria feliz, mas naquele momento eu estava muito longe disso. Minha mente estava voltada para o que eu me tornaria daqui a alguns anos. Talvez fisioterapeuta ou veterinária. Eu teria um consultório próprio e me sentiria satisfeita com o meu trabalho. E se eu tivesse sorte, meus clientes não se importariam com o fato de eu não poder enxergar.
Muito antes, assim que aqueles cacos de vidro atingiram meus olhos quando eu tinha seis anos, aprendi o real sentido da dor. Ia muito além do sentimento físico, afinal eu havia ficado cega e órfã ao mesmo tempo.
E como se eu não existisse, meus avós ficaram distantes. Eles não suportaram a carga que eu supostamente me tornei, então foram embora. Incluindo a incrível mulher que me criou, tenho somente mais duas pessoas em uma das cidades mais frias do país.
E estou nela agora mesmo!
Deito a cabeça sobre o estofado da poltrona e meus dedos deslizam contra o vidro da janela do carro enquanto o barulho da chuva cessa por completo.
— A casa é aquela, moço — diz minha tia para o motorista do táxi.
— A casinha de cor verde?
— Sim.
Respiro fundo, cansada pela viagem, e o carro freia lentamente. Esfrego meus braços, um pouco incomodada com o clima de São Joaquim, e não deixo de pensar que o casaco de lã que estou vestindo é insuficiente.
— Chegamos! — diz tia Laura, ajudando-me a descer do carro.
Quando meus pés tocam o solo, procuro a bengala eletrônica. Ela é dobrável e sinaliza obstáculos durante a locomoção, emitindo um sinal sonoro. Ela substituiu minha bengala comum há alguns meses e isso foi bom.
— Tia, precisa de ajuda com as malas?
Reconheço a voz de Barbara.
— Sim, querida. Obrigada!
Minutos depois, sorrio ao receber um abraço quentinho e familiar.
— Você não mudou nada, Ceci — diz minha prima enquanto me aperta. — Eu estava com saudades.
— Também senti saudades — murmuro após conseguir respirar em seu aperto. Apesar de ser magra e ter somente dezessete anos, Barbara é forte. E isso é assustador, apesar de engraçado.
— Meninas, vamos entrar! — tia Camila nos chama. — Deixe-a respirar, filha. Está sufocando a menina — fala brincalhona e minha prima me solta, após rir do meu sufoco anterior.
Ao contrário da irmã mais velha, tia Camila sempre viveu na Serra Catarinense com a filha e o marido, que faleceu anos atrás.
— Você está linda, querida. Sinta-se em casa.
— Obrigada.
— Vamos entrar. Segure meu cotovelo, Cecília. — Ela pega minha mão, levando-a até o local e logo estou seguindo-a com cuidado.
Consigo chegar ao sofá com segurança, felizmente.
— Obrigada, tia.
Sinto um movimento no espaço ao meu lado.
— Está gostando da cidade, Ceci? — questiona Barbara.
— Até agora sim. Não posso dizer muito por enquanto.
— Você vai gostar daqui com o passar do tempo, tenho certeza.
Passei as últimas horas dentro de um ônibus e logo depois em um táxi. Somente o tempo poderá dizer alguma coisa. E ele é tão imprevisível.
Sinto falta de Orleans, mas preciso ficar aqui até terminar os estudos. A solidão realmente não estava me fazendo bem, e tia Laura percebeu isso muito antes de mim.
Minha vaga já está reservada em uma escola pública razoavelmente adaptada e em poucos dias estarei conhecendo outras pessoas e tentando sobreviver em meio a jovens, possivelmente, cheios de preconceitos.
Não sei o que o futuro guarda para mim e isso me parece um pouco assustador.
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Uma Luz Na Escuridão
RomanceCecília é cega. Anos depois de perder a visão e os pais em um terrível acidente de carro, ela se muda para uma bela cidade em Santa Catarina, conhecida pelo inverno rigoroso. Tudo está perfeito, até ele aparecer. O primeiro dia na nova escola acaba...