Cecília
Cerca de um mês depois do acontecimento fatídico com relação ao sequestro do Carlinhos, estou em casa após o Bernardo ir para o trabalho.
— Te amo, meu anjo. — Beijo as bochechas do meu filho enquanto ele reclama na sua típica linguagem de bebê. Eu o ajeito em meu colo, sorrindo.
— Desse tamanho e já é zangado desse jeito — falo com ele. — Como pode?
— Hm-me-muf — resmunga, me fazendo rir.
— Que fofo. A mamãe te ama, meu lindo. Eu sempre irei cuidar de você — murmuro e em instantes sua respiração fica cadenciada com o sono.
Eu o coloco em seu berço no quarto e procuro meu celular que está tocando em algum lugar dentro do guarda-roupa.
Barbara ligando, Barbara ligando...
— Oi, maluca — atendo.
— Me espere aí, priminha. Já estou chegando — diz, desligando na minha cara.
Guardo o celular, espantada, e em instantes, alguém esmurra a porta. Sigo até a entrada e atendo a louca da minha prima que não para de gritar do outro lado.
— Abre logo, Ceci!
— Calma. Estou abrindo — murmuro, destrancando a porta.
Ela entra como um furacão, e eu fecho a porta em seguida.
— Tenho uma notícia pra te dar — diz agitada.
— O que houve? — questiono meio preocupada com o que pode ser.
— Eu e o Marcelo estamos namorando. — Solta gritinhos escandalosos e eu tapo a sua boca com medo de acordar o bebê.
— Barbara! O bebê está dormindo.
— Desculpa. É que eu estou muito empolgada – diz quando afasto a mão.
— Então toda aquela implicância de vocês acabou em namoro? — murmuro, divertida.
— É... — concorda sem jeito. — Consegui fisgar um cara que disse que não estava interessado em um relacionamento sério. Ele mesmo me pediu em namoro.
— Isso é bem surpreendente, mas fico feliz por você. Vocês dois combinam mais do que querem admitir.
— Isso é verdade. — Ri baixinho.
— Sua mãe já sabe?
— Ah, sim. Eu contei e ela ficou bem preocupada, mas disse que quer conhecer o Marcelo. Vou levá-lo lá em casa final de semana.
— Que bom. Você merece. — Eu a abraço antes de sentarmos no sofá.
— Preciso te contar outra coisa também — diz sem preâmbulos.
— O que é? — Confesso que agora fiquei realmente preocupada.
— Adivinha quem está sofrendo o pão que o diabo amassou?
— Quem?
— Priscila. — Dá uma risada baixa.
— O que aconteceu? — Não gosto nem de tocar no nome dessa garota depois do que ela aprontou. Depois do que ela fez, acabou se safando porque é menor de idade. Ficamos indignados com isso, mas de nada adiantou, apesar de o Bernardo ter avisado a polícia sobre o que ela fez.
— Uma antiga amiga dela saiu espalhando nas redes sociais que ela tá sofrendo nas mãos da tia. Parece que a dona Marcia é bem preguiçosa e a coloca para fazer todas as tarefas na pequena fazenda onde mora. Até a colocou para pegar porcos no chiqueiro e juntar cocô de vaca. E como a Priscilla é metida deve está morrendo de raiva. — Barbara termina o relato se afogando na risada e eu a acompanho.
— Como você sabe disso tudo?
— Como eu disse, a amiga dela foi visitá-la e postou nas redes sociais vários vídeos e fotos da Priscila completamente suja e enlameada, e ainda por cima com um porco na mão.
Não consigo conter a onda de riso que me invade e acabo sorrindo muito com Barbara.
***
Bernardo
Estou satisfeito em meu trabalho na fábrica. Eles pagam bem e eu tenho me esforçado bastante. Com o aumento em meu salário, as coisas ficaram mais fáceis com relação às despesas. Posso suprir as necessidades da Cecília e do bebê sem problema.
Provavelmente, são umas 18h00 e o céu já está bem nublado com a chuva iminente. Preciso chegar em casa o quanto antes. Já consigo imaginar o sorriso caloroso da Cecília e os ruídos que o bebê solta quando está acordado.
Passo com a moto em frente a uma sorveteria lotada naquele horário e uma garota acena na beira da avenida para eu parar. Confuso, eu freio a Harley ao reconhecer Carla e retiro o capacete, sorrindo. Ela se afasta das amigas, seguindo na minha direção vestida em uma calça jeans colada e uma blusa sem mangas. Diferente da Priscila, Carla respeitou o meu relacionamento com a Cecília desde o começo.
— E aí. Como anda a vida? — Ela sorri aparentemente relaxada.
— Muito boa. Como você está? — pergunto, ainda em cima da moto.
— Estou bem. — Sorri, simpática. — E a sua família?
— Estão todos bem.
— Que bom. Seu filho é lindo. Eu vi as fotos nas redes sociais.
— Valeu. Ele puxou ao paizão aqui — brinco, gesticulando em direção ao meu corpo.
Ela dá risada, afastando o cabelo castanho do rosto.
— Verdade. É lindo como o pai — murmura, enigmática, me olhando atentamente.
Fico meio desconfortável com isso e tento mudar de assunto.
— Tá pensando em fazer graduação?
— Na verdade, já estou fazendo. — Dá de ombros, sorrindo. — Meus pais queriam que eu fizesse Administração, mas fiquei interessada por Farmácia. Tem mais a ver comigo. Comecei já têm dois meses, e você?
— Quero começar daqui a alguns meses. Eu me interessei por Engenharia de Automação.
— Legal. Combina com você. — Ela sorri, admirada. — Fico muito feliz por isso. E a sua garota, o que acha da sua escolha?
— Minha princesa ficou muito feliz. — Abro um sorriso ao pensar em Cecília. — Ela é incrível.
— Sei — diz, parecendo desconfortável com alguma coisa. — Ela tem muita sorte.
— Hey, me apresenta o gatinho! Não seja má. — Uma loira de cabelos acima dos ombros aparece ao lado de Carla, cutucando a amiga de brincadeira.
— Tudo bem. — Carla suspira, revirando os olhos. — Esse é o Bernardo, um antigo amigo da escola. — Sorri sem graça. — E Bernardo, essa é a Janine, uma amiga da faculdade.
— Oi, Bernardo. Tudo bem? — A loira desce o olhar sobre meu corpo e eu aceito seu abraço, desconfortável.
— Tudo — murmuro, encarando Carla. — Vocês estão na sorveteira da frente? — Aponto.
— Sim, e o resto das nossas amigas. — Ela sorri.
Encaro o meu relógio de pulso, rapidamente.
— Eu acho que já vou pra casa. Cecília está me esperando.
— Tudo bem. Nos vemos em breve, lindo — diz Carla, me surpreendendo com um beijo na bochecha e um abraço apertado. — Tchau.
— Tchau — murmuro, colocando o capacete.
— Tchau, gato. — Janine pisca se aproximando. — Você pode me dar seu número?
— Não vai dá. Sou comprometido. — Aceno com a cabeça antes de ligar a Harley e seguir para casa.
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Uma Luz Na Escuridão
Storie d'amoreCecília é cega. Anos depois de perder a visão e os pais em um terrível acidente de carro, ela se muda para uma bela cidade em Santa Catarina, conhecida pelo inverno rigoroso. Tudo está perfeito, até ele aparecer. O primeiro dia na nova escola acaba...