Bernardo
Tranco a porta atrás de mim, após o trabalho.
— Cheguei.
Meus olhos varrem a sala até pararem em Cecília sentada no sofá, zapeando os canais da TV.
Franzo o cenho, estranhando sua atitude, afinal ela geralmente abre um sorriso quando chego.
Ela continua zapeando os canais, distraída, e eu passo por ela, irritado. Entro no quarto e dou um beijo na cabeça do meu filho adormecido, antes de tirar a roupa e ir ao banheiro. Saio de lá vestindo uma calça de moletom cinza e uma camiseta de manga comprida, já que tá fazendo um frio do caralho aqui dentro.
Sigo para a sala e sento ao lado de Cecília no sofá.
— Sua tia já foi deitar? — inquiro, puxando assunto.
Ela está séria e nem parece ter me ouvido.
— Não. Ela está costurando algumas roupas no quarto — diz num tom de voz insolente, me surpreendendo.
Tomo o controle da sua mão, desligando a TV.
— Me devolve isso, Bernardo! — murmura, irritada.
— Não até você me dizer o que está acontecendo! Você está muito estranha comigo — digo entre dentes.
— Não é nada. — Ela cruza os braços, como uma criança mimada faria.
— Tem alguma coisa que você não quer me contar. Desembucha.
— Tudo bem, senhor mandão. — Suspira alto, antes de falar. — Priscila falou comigo hoje de manhã, lá na pracinha do centro.
— Como é? — murmuro, alarmado, e ao mesmo tempo puto de raiva. — O que ela disse?
Cecília permanece em silêncio.
— Fala logo, Cecília!
— Tá bom... ela disse que vocês ficaram juntos em um motel na mesma noite que nós saímos pela primeira vez — diz acusadora.
Merda, a vaca da Priscila abriu a boca. Ela vai me pagar.
— Isso é verdade?
— Sim. — Ela fica boquiaberta. — A gente transou.
— Como você pôde, Bernardo?! Logo depois que ela me humilhou na sua frente!
— Porra, Cecília, eu estava incomodado depois da nossa discussão e ela apareceu na minha casa!
— Se você estava com raiva, foi porque quis — diz entre dentes. — Não te fiz nada naquela noite.
— Você está certa, me desculpa. — Pego a sua mão, mas ela a retira, chateada. Fico tenso na hora. — Eu era um idiota naquela época, Cecília. Mas eu mudei, juro. Nem cocaína eu uso mais.
Ela permanece séria e uma lágrima solitária desce pelo seu rosto, fazendo-me sentir muita raiva de mim mesmo.
— Não chora. — Tento tocá-la, mas ela se retrai. — Eu era um bosta, mas juro que mudei. Nem estávamos juntos ainda, quero dizer, namorando.
— Tudo bem. — Ela funga, enxugando o rosto com a mão.
— Sério? — indago esperançoso.
— Você está certo. Nem estávamos namorando ainda e de lá pra cá você mudou muito. — Pega a minha mão, me deixando surpreso. — Agora você é um ótimo pai e namorado. Só me promete uma coisa?
— Pode falar.
— Promete que não vai mais se encontrar com a Priscila. Eu não vou suportar isso, Bernardo. Talvez por eu ser cega, você se canse e queira...
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Uma Luz Na Escuridão
RomanceCecília é cega. Anos depois de perder a visão e os pais em um terrível acidente de carro, ela se muda para uma bela cidade em Santa Catarina, conhecida pelo inverno rigoroso. Tudo está perfeito, até ele aparecer. O primeiro dia na nova escola acaba...