Cecília
Respiro profundamente após a cirurgia, depois de muitas horas. Recosto a nuca contra algum travesseiro macio e levo uma das mãos até a altura dos olhos, sentindo uma gaze os cobrindo.
A enfermeira que acompanhou o procedimento cirúrgico informou que eu preciso esperar alguns dias antes de finalmente descobrir os olhos, afinal eles precisam cicatrizar. Estou desconfortável, tomada por um pouco de dor nessa região, então preciso ter cuidado.
É claro que estou nervosa com o que pode acontecer, mas preciso relaxar. Passei vários anos da minha vida sem enxergar, então, caso eu permaneça assim pelo resto dos meus dias, não vou entrar em desespero. Já me acostumei com essa condição e não acho que seja um sacrifício. Na verdade, a cegueira só me fez mais forte para lidar com diversos desafios. Ela não me tornou uma inválida, como a maioria das pessoas pensa; ela só me tornou mais independente para percorrer meu próprio caminho.
— Você pode chamar o meu marido? Eu acho que ele tá aí fora — murmuro para a enfermeira.
— Eu vou chamar, com licença.
— Obrigada.
Minutos depois, estou rodeada por braços fortes e másculos, sentindo o perfume que eu tanto amo.
— Eu fiquei bem preocupado — diz Bernardo, sem me soltar.
— Ainda vou passar uns dias com a gaze antes de poder tirá-la.
— É. O médico me disse algo assim. Mas não vai demorar. Em breve, você vai se livrar dela.
— Que bom — digo, ansiosa.
***
Dias depois...
9 horas
Após um banho demorado, eu me enfio rapidamente dentro de um vestido confortável, antes de procurar meus tênis em algum lugar do quarto.
Sigo até o antigo quarto de hóspedes, que se tornou o quarto dos bebês, e pego uma Maria Alice chorosa no colo. Depois de dar de mamar a ela, preparo o mingau do Carlinhos, adicionando o leite que ele tanto gosta.
É muito difícil lidar com duas crianças ao mesmo tempo, mas eu amo a parte de ser mãe apesar do trabalho que vem na bagagem.
— Cheguei! — Barbara invade a minha casa. — Hoje eu vou ser a babá dessas crianças, então você pode demorar o quanto quiser.
— Promete que não vai tocar fogo na casa? — brinco, procurando o dinheiro do táxi na estante da sala.
— Prometo. — Ela ri. — Talvez eu dê uma festa.
— Nem brinca. — Sorrio antes de me despedir dos meus filhos. — Tia Laura vai comigo?
— Claro, mas você devia saber que ela demora um século pra se arrumar.
***
Estremeço ao chegar ao hospital. O ar-condicionado está intenso e eu me arrependo muitíssimo em não ter colocado algum moletom e a calça jeans.
— Estou indo buscar um cafezinho pra gente — diz tia Laura.
— Traz o meu com leite, tia, por favor — peço e ela sai, voltando minutos depois. Ela me entrega um copo e eu tomo para tentar me aquecer.
Aqui está fazendo muito frio, nossa!
Sou puxada dos meus pensamentos, quando meu nome finalmente é chamado.
Eu me empurro para fora da cadeira, antes de seguir para o consultório com as mãos trêmulas e geladas.
— Olá, acho que você se lembra de mim. Eu sou o médico que fez sua cirurgia, doutor Daniel.
— Ah, eu lembro sim. — Sorrio.
— Marina, leve-a até a maca. Precisamos tirar essa gaze.
Marina provavelmente é a enfermeira e, com a sua ajuda, logo estou sentada sobre a maca; os nervos ansiosos para a situação iminente.
— Vamos ver esses olhinhos — o médico fala. — Está ansiosa?
Completamente.
— Muito. — Suspiro.
— Não tenha medo. Vai correr tudo bem.
Aceno com a cabeça, em sinal de confirmação, antes de sentir as mãos dele no meu rosto. Com paciência, o doutor Daniel me libera da gaze e eu continuo de olhos fechados.
— Você já pode abri-los — diz ele, divertido, e eu assinto antes de fazer o que ele pediu.
Meus olhos ardem um pouco, mas algo inesperado acontece.
Algo inacreditável.
Ofego de espanto.
— O que está havendo, querida? — murmura tia Laura, seguindo na minha direção.
Eu a vejo caminhando na minha direção!
Não consigo segurar os soluços e me afasto da maca, ficando de pé.
— Eu tô enxergando — sussurro, incrédula; as mãos sobre a boca.
Imagino que a qualquer momento posso despertar desse sonho.
Um sonho maravilhoso e lindo e que parece tão real.
Eu me belisco, tentando acordar. Corro os olhos curiosos sobre a sala e, embora a minha visão esteja um pouco embaçada, consigo enxergar perfeitamente.
O médico sorri para mim.
Sigo até ele e o envolvo em um abraço.
— Obrigada. — Fungo antes de me afastar do senhor de cabelos brancos.
— Agradeça primeiramente a Deus por esse presente.
— Claro — murmuro antes de abraçar a tia Laura. O corpo dela estremece com o choro convulsivo.
— Minha menina. — Soluçamos juntas — Você merece, Cecília.
— Estou tão feliz, tia. Tão feliz. — Eu me solto e meus olhos seguem cada canto do consultório.
Observo o quarto, a maca, a enfermeira sorrindo ali perto, o teto... Encaro as minhas mãos pequenas e o vestido azul-claro que estou usando. Vejo os meus pés dentro de tênis e sorrio.
Nunca pensei que voltaria a enxergar algum dia. Isso é um sonho se tornando realidade. Tenho vontade de gritar ao mundo a dimensão desse presente.
— Há um espelho no banheiro aí dentro. — O médico aponta outra sala dentro do próprio consultório e eu sigo para lá.
***
O espelho anexado à parede é enorme. A menina refletida nele tem um sorriso no rosto e suas lágrimas são intermináveis. A garota é pequena e parece assustada.
Sou eu.
Observo cada detalhe do meu rosto, desde as sobrancelhas escuras até o queixo. Meus olhos, antes esbranquiçados, agora tem um tom azulado, sua cor natural. Meus cabelos estão presos em uma trança mal feita, mas delicada.
Repentinamente, desperto para a realidade e penso nos meus filhos e no Bernardo.
Preciso vê-los.
Ansiosa, sigo para a saída do banheiro pequeno, mas antes que eu possa sair, meu corpo se choca em cheio com uma parede de músculos firmes.
Mãos fortes me seguram, dando-me equilíbrio para que eu não caia.
Meus batimentos cardíacos aceleram conforme corro o olhar sobre braços tatuados, uma camiseta escura, sentindo um perfume masculino familiar. Meus olhos seguem curiosos para um ponto mais acima, até que eu vejo...
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Uma Luz Na Escuridão
RomansaCecília é cega. Anos depois de perder a visão e os pais em um terrível acidente de carro, ela se muda para uma bela cidade em Santa Catarina, conhecida pelo inverno rigoroso. Tudo está perfeito, até ele aparecer. O primeiro dia na nova escola acaba...