39 - sobre atitudes que podem mudar tudo

6.3K 559 41
                                    

Bernardo

Espero a merda da fila andar e, para distrair, resgato o celular do bolso, checando as mensagens ou qualquer outra coisa. Um tempo depois, paro em frente à garota atrás do balcão.

Tiro algumas notas da carteira e entrego a ela. Fico um pouco desconfortável com os olhares nada sutis que ela me lança.

— Obrigada. Volte sempre, gato. — A garota sorri amplamente e me entrega um papelzinho. Eu o desdobro, desconfiado, e encontro um número de telefone.

Oferecida do caralho.

Devolvo o papel e deixo-a plantada com cara de tacho. Sigo em direção a Cecília, varrendo o lugar com os olhos.

Ao me aproximar, cerro os punhos quando vejo com quem ela está conversando. A empolgação e a intimidade dos dois só aumentam a minha raiva e o ciúme. E droga... isso é mais forte do que eu.

Tudo só piora quando percebo que o Augusto está com o meu filho no colo.

Foda-se.

— Que porra tá acontecendo aqui? — Rosno, chamando a atenção dos dois.

— Calma, Bernardo — diz Cecília, percebendo a minha raiva. —Augusto só veio passear no shopping e me viu aqui com o bebê.

— Vamos embora, Cecília — murmuro, encarando o garoto; a sobrancelha arqueada.

— Tá bom. — Ela suspira, impaciente, e o cara lhe entrega o bebê adormecido. Ela o embala e sorri.

— Tchau, Augusto. Desculpa por isso.

— Não se preocupa. Foi muito bom te reencontrar — diz com um sorriso, me lançando um olhar de triunfo.

Como é?!

— Digo o mesmo — murmura Cecília, me fazendo ranger os dentes.

— Vá indo na frente — ordeno e ela sai andando com o bebê após me entregar a bolsa.

Eu me aproximo do cara, ameaçador.

— Fica longe da minha garota — digo entre dentes.

— E se eu não quiser? Vai fazer o quê? — Ele ainda tem coragem de me enfrentar, mas percebo que está meio nervoso.

— Isso! — Antes que eu perca a cabeça, Cecília se enfia entre nós. Ela espalma o meu peito, parecendo assustada.

— Pare com isso, Bernardo! Vamos para casa, por favor. — Suspira profundamente. — Me desculpa de novo, Augusto — fala com ele.

— Não tem por que se desculpar. Já estou indo... tchau — diz e se afasta.

— Tchau.

— Vamos. — Dou uma última encarada no idiota e a acompanho. Ela caminha ao meu lado, irritada, e eu chamo o Uber. A viagem de volta é silenciosa e carregada por um clima estranho. A tensão no ar é palpável.

Quando o carro para em frente à nossa calçada, Cecília desce e nem me dirige a palavra. Ela destranca a porta da casa e some lá dentro, quieta. Eu a sigo para o quarto e a observo conforme ela ajeita o bebê no berço.

Deposito um beijo na cabeça do Carlinhos e troco de roupa. Depois, caminho até a cozinha, estudando Cecília em frente ao fogão. Ela está preparando alguma coisa e o cheiro é muito bom.

Eu me escoro no umbral da porta, observando a minha garota com o semblante fechado. Pelo visto, ela não está nada feliz com minha atitude anterior.

Após esquentar a comida, ela se afasta do fogão e tenta passar por mim, mas eu seguro seu braço e a puxo de volta.

— Me solta, Bernardo! Hoje você ultrapassou todos os limites com esse seu ciúme — desabafa.

— Eu ultrapassei? Você que ultrapassou! Não deveria nem ter falado com aquele cara.

— Mas ele é só um amigo. Não fizemos nada além de conversar. Você mesmo viu.

— Não quero mais que vocês se encontrem.

— O quê? Enlouqueceu? — indaga, incrédula.

— Claro que não. Só não quero ter que quebrar aquele infeliz quando ele estiver perto de você.

— Não estou acreditando nisso. Me solta. — Ela tenta se soltar do meu aperto, mas acaba desistindo. — Estou muito chateada com você, Bernardo.

Prendo o seu rosto entre as mãos e me aproximo, encostando nossos narizes.

— Eu não gosto que toquem no que é meu, só isso.

— Você não confia em mim, né? — pergunta, magoada, e uma lágrima desce pelo seu rosto delicado.

— Confio mais do que na minha própria vida. É nos caras que eu não confio.

— Mas só estávamos conversando, pelo amor de Deus! Deixa de ser irracional.

— Mas o cara jogou uma indireta bem na minha cara: Foi muito bom te reencontrar. — Imito a voz do trouxa. — E ainda me lançou um olhar vitorioso. Isso já é demais, Cecília.

— Nossa. — Bufa, irritada. — Você é impossível.

Também não consigo tirar da cabeça o olhar daquele cara na direção da Cecília, como se ela fosse um prato suculento. Além disso, ele segurava o meu filho como se fosse dele, e isso me encheu de raiva.

— Tenta entender uma coisa: você é minha! — digo a última parte, entre dentes e alto.

— Ficou louco? Vai acordar o bebê.

Merda. Eu havia esquecido que o bebê estava dormindo.

— Ele não acordou.

— Ainda bem. Agora me solta. Estou farta disso. Não sou nenhum objeto para você me tratar dessa forma.

Eu a observo por um tempo e faço o que ela pede, relutante, vendo-a se afastar de mim. Sinto uma pontada no peito com a sua distância e me xingo por ter sido um babaca ciumento.

— Me desculpa. — Tento me aproximar, mas Cecília some pelo corredor. — Volta aqui, Cecília.

Eu a sigo, culpado.

— Me deixa quieta. — Bufa, me dando as costas.

— Precisamos conversar.

— Não quero mais conversar hoje.

— Ah... quer saber? Vou dar uma volta por aí antes que eu fale merda — digo, aborrecido, e bato a porta quando saio.

Uma Luz Na EscuridãoOnde histórias criam vida. Descubra agora