"Na parada seguinte, entrou uma mocinha de calças compridas, bem justas nas nádegas. Os seios, vistos de baixo, não era grande coisa, mas a cintura fininha prometia bastante."
(Esdras do Nascimento em Tiro na Memória).
— Qualquer um?
— Não, um bem torradinho.
Às cinco da tarde, saí do escritório. Pensei em tomar logo um ônibus, mas, como a tarde estivesse muito agradável, misturei-me ao povo e desci até a Rua Quinze. Lá, antes de mais nada resolvi comer alguma coisa. O cheiro delicioso que vinha de uma pastelaria atraiu-me. Entrei. Sobre o balcão, um litro de suco de pimenta. Sentei-me no tamborete a bati os dedos no balcão. O chinês (ou japonês?) virou-se e exibiu o rosto suado. Pedi um pastel e comi-o, carregando na pimenta. Gosto de pimenta. Não gosto de molho de tomate. Um dia fizeram-me uma brincadeira com molho de tomate. Sujaram-me durante uma briga preparada. Senti tanto medo que as feridas de molho de tomate doeram.
Eu fumava meu cigarro à porta da pastelaria, quando a polaquinha chegou. Confesso que senti um vazio no estômago. Que peça. Cruzei a rua e fui ver os cartazes do Cine Avenida. Uma bomba. Ao sair, esbarrei numa senhorita de casaco de pele. Posso jurar que era coelho. Falsa! Mas era bonita e senti de novo o vazio no estômago. Lembrei-me, então, da minha necessidade.
Olhei as vitrines do Magazine Caçula, namorei uma motocicleta nas Lojas Motosima e paquerei a caixa do Magazine Odeon.
Seria mais ou menos cinco e meia, quando atravessei a Voluntários da Pátria e parei à espera do ônibus. A minha frente, uma moreninha exibia as pernas abaixo da mini-saia. Encostei-me nela. Esfreguei-lhe o joelho. Ela virou. Fez beicinho. Piscou-me. De novo o vazio no estômago. Eu estava, de fato, necessitado. Precisava dar um jeito na vida. Quando o ônibus chegou, quase morri. Ela fez questão de mostrar a calcinha ao subir. Preta! Tenho fixação pelo preto. Não sei porquê? Talvez porque minha primeira mulher usasse calcinhas pretas. Um negócio de mulher! Pena que tivesse apanhado aquilo na vida e não quisesse me transmitir. Penso até que ela gostava um pouco de mim para fazer aquilo. Fosse uma outra, teria me posto de molho por um bom tempo. Pobre Estela!
No ônibus, consegui um lugar junto da moreninha. Chamava-se Margarida. Quem a visse juraria ser outro seu nome. Poderia ser outro, qualquer outro, só Margarida que não. Confesso que me desinteressei. Onde já se viu uma morena como aquela chamar-se Margarida?
— Já vou embora.
— Por quê?
* * *
— Qualquer um?
— Não, um bem torradinho.
Amaldiçoei aquela pensão com todos os nomes do meu vocabulário. Onde já se viu servir água fria a seus inquilinos? Só porque eram pobres rapazes jogados na vida tinham esse direito?
A comida estava horrível. Lembrei-me do pastel da pastelaria da Rua Quinze e do rosto suado do japonês (ou chinês?).
Após o jantar, saí para a rua e sentei-me no muro. Garotas passavam assanhadas. Colegiais? Não, biscates. À última tragada, atirei o toco do cigarro sobre a capota de um Wolksvagem estacionado no outro lado da rua. Ao cair, lançou fagulhas e deixou uma mancha acinzenta na pintura. De onde eu estava não pude ver, mas juro como ficou. Sempre ficava.
Tirei do bolso a carteira e examinei o dinheiro. Pagas as contas, restava-me ainda o suficiente para os cigarros e um ou dois programinhas baratos.
Quando a loira passou no Galaxie a minha frente, senti de novo o vazio no estômago. Lembrei-me, então, das vitrines do Magazine Caçula, da motocicleta da Motosima e da caixa do Magazine Odeon. Onde será que ela estaria? Talvez à noite ela até estivesse livre... Podia ser que sim, podia ser que não. Afinal de contas, aquelas moças sabiam se virar.
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CONTOS DO MAGO DAS LETRAS
Short StorySituações inusitadas, cidade e sertão, polícia e pescaria, fantasmas e fadas, personagens surpreendentes, todos se reúnem em um tempo indefinido na visão do Mago das Letras. Contos para ler sem remorso, talvez com um pouco de humor ou um toque fantá...