O FRUTO

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 A brisa fresca do entardecer amainava aos poucos a recordação acalorada do dia. As andorinhas voltavam aos ninhos, e as crianças, voltando da escola, faziam algazarra na rua. De longe veio o ruído de um carro. No cruzamento de duas ruas quaisquer, duas vidas se cruzaram, como se cruzavam as duas ruas na grande estrada da vida. Ela se aproximou provocante, gingando o corpo que a vida gastava e sussurrou bem próximo dos ouvidos dele:

— O fruto amadureceu, você não quer fazer a colheita?

Essas palavras despertaram recordações. Era triste, afinal, ouvi-la falar assim. Fitando, na semi-escuridão da tarde que morria, seu corpo de mulher feita, recordou-se de um passado distante e esquecido. Foram namorados. Amavam-se, mas ela nunca cederam aos pedidos dele. No momento, desejou ele esquecer a tentação que ainda lhe causava aquele corpo, tal e qual nos outros tempos.

— O fruto está verde — dizia ela.

— Tomara que não apodreça — retrucou ele.

E esperava o passar do tempo e o amadurecimento do fruto. O tempo passou, mas ela não quis que fosse ele o primeiro. Mudou-se e a outro concedeu. Depois, talvez na esquina da vida, vinha ela oferecer-lhe um fruto já colhido.

Ele a fitou de frente, bem fundo nos olhos e depois o céu. Breve a tarde estaria morta. Morreria como o passado. O sol, ao se pôr, avermelhava o horizonte, bordando as nuvens de cores dilacerantes. A noite chegava mansamente. As crianças haviam passado e as andorinhas, aquietadas no ninho. Ele tomou as mãos dela entre as suas, apertou-as desconsoladamente e sussurrou mansamente, com voz de dia morrendo, palavras por muito tempo guardadas.

— Não, não o quero. Ele apodreceu, já não serve pra mim.

E a esquina da vida recolheu-se carinhosamente no seio da escuridão que chegava, enquanto as duas vidas que se cruzaram deixavam vazia a esquina da rua.    

CONTOS DO MAGO DAS LETRASOnde histórias criam vida. Descubra agora