XV

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XV

RICARDO

Caos, era para Ricardo a melhor palavra para descrever o estado em que estavam. Parecia que tinham aberto as portas do inferno, todos estavam gritando, tossindo e espirrando, crianças choravam no colo de seus pais enquanto estes tentavam cobrir a boca e os olhos de seus filhos em uma tentativa de serem menos afetados. Ricardo não conseguia enxergar quase nada além de um metro, a poeira estava densa limitando muito a abrangência da sua visão. Porém, ele tomou consciência de que Natália estava choramingando e gritando de desespero, foi isso que o tirou do transe em que estava metido.

- Calma, Nati Vamos sair daqui. - ao dizer isso, por puro reflexo, esticou as mãos diante do corpo para segurar a jovem que agora despencava sobre ele.

- Não me sinto bem, Ri, me leva para o hospital. - uma tosse extremamente falsa fez-se ecoar da garganta dela.

- Tem uma ambulância chegando, vamos até ela.

- Não, não. - outra tosse mal fingida. - preciso de você comigo. Além do mais, tem muita gente lá.

- Você tem razão, muita gente precisa dessa ambulância - mais do que você, ele quis dizer mais se conteve - se apoia em mim, vou te levar para o carro.

As tentativas de parecer frágil da garota incomodavam Ricardo, tinham crianças doentes, dezenas de pessoas precisando de ajuda, como ela conseguia pensar apenas nela mesma? Ele arrastou ela até o carro da maneira mais gentil que conseguiu. Eles não haviam sido diretamente apanhados pela nuvem de poeira, na verdade, estavam dentro da casa, na pequena exposição que falava sobre a tradição na festa na cidade, tiravam fotos e faziam anotações quando de repente ficou escuro demais e já não conseguiam mais tirar boas fotos. Quando ricardo olhou para a janela, tudo estava da cor de barro, janelas não suportaram a ventania e abriram inundando a velha casa com poeira, pessoas corriam para dentro. Quando Ricardo conseguiu enfim sair, já havia "passado", mas deixado a cidade cinza e difícil de respirar.

O trânsito estava péssimo e claro que a pouca visibilidade dificultava tudo, Ricardo só conseguia pensar que não podia bater o carro, se isso acontecesse seu pai o mataria duas vezes, primeiro por ter pego o carro sem permissão e segundo por ter batido seu preciosíssimo. Focou na pista e dobrou sua atenção, demorou para chegar no hospital, mas estavam lá, sãs e salvos, ou quase. Ao dirigir o jovem ficou tão tenso que os nós de seus dedos ficaram brancos, deu graças a Deus por ter chegado sem causar nenhum acidente. Ele não era um mau motorista, mas tinha ficado abalado com o fenômeno meteorológico e como isso tinha causado danos físicos e psicológicos na população em questão de minutos.

Durante o percurso, Natália tinha ligado para seus pais e ao entrarem logo foram ''recepcionados'' pelos pais da garota. Lá dentro estava ainda mais turbulento que do lado de fora, muitas pessoas estavam feridas, provavelmente de terem caído ao correr, mais ainda usavam máscaras de oxigênio, mas o hospital não tinha estrutura para atender tantas ao mesmo tempo. Ricardo percebeu que algumas famílias estavam juntas e compartilhando a mesma máscara, era uma cena intensa, as crianças se agarravam aos seus pais chorando enquanto estes tentavam reprimir a tosse. Ele desviou o olhar. A contra gosto de Natália, eles se despediram e ele saiu do hospital sentindo-se mal pela cena que presenciou.

Tentou ligar para a amiga, Victória, mas com a tempestade as linhas telefônicas estavam funcionando em péssimo estado, de dez tentativas apenas três chamaram, estas que ela ainda fez o favor de não atender, deixando-o ainda mais preocupado. Antes de dar a partida e seguir rumo a casa dela, Ricardo saiu do carro, com uma urgência no peito e foi até a recepção do hospital para se certificar de que Vicky não se encontrava ali. Ficou um pouco mais tranquilo ao saber que ela não estava no local. Voltou ao carro e dirigiu o mais rápido que conseguiu em direção a casa da melhor amiga. Precisava saber se ela estava bem.

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