Diário de bordo 120420

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Está gravando?

Estática.

A luzinha está acesa. Espero que esteja funcionando.

Suspiro.

Já faz três dias que eu acordei. Não sei ainda por quanto tempo fiquei desacordada, mas a análise da situação de danos é de três semanas pelo menos. Não acho que tenha sido tudo isso, afinal, como eu sobreviveria tanto tempo sem água e comida e com pouco oxigênio? Na verdade, ainda é um mistério como fui parar no meu laboratório. Minha última lembrança é de quando eu estava no laboratório perto da área de residência de Nancy, na seção canadense. Minha mente não ajuda muito nesse ponto. Minhas memórias estão embaralhadas e tudo é um borrão a partir do ponto em que estou no laboratório.

Respiração ofegante.

Estou tendo sonhos estranhos. Eu estou no meu laboratório, com pressa, à procura de algo. Eu estava tossindo e o ar parecia faltar. Então ouço algo e minha expressão me mostra que estou com muito medo. Mas quando vou ver o que era, eu acordo, suada e com o coração batendo acelerado. Não sei se é uma memória ou o meu cérebro me pregando peças. Talvez seja um pouco dos dois. Eu...

Sons de metal rangendo. Silêncio novamente.

Eu estou com medo. Não queria admitir, mas a solidão e o caos que se instalou em Primux, o local que me parecia mais seguro do que a Terra, agora me faz preferir estar em casa, por pior que fosse a situação lá.

Voz trêmula. Fungada e mais estática.

Ainda não sei de que experimento Eliot estava falando quando morreu. Há muitos experimentos que fazemos aqui, inclusive foi em Primux que descobriu-se a cura para a Aids e outras doenças consideradas incuráveis no século XXI. Não tenho certeza ainda se o que está acontecendo tem alguma relação com a forma de vida que estávamos estudando quando cheguei a Primux. Tenho quase certeza de que a amostra original se encontrava na seção americana, na ala norte, ou seja, muito longe daqui. Talvez isso signifique que essa bagunça toda se estendeu por boa parte da estação. Entretanto não gosto de pensar nisso. Ainda tenho esperança de encontrar sobreviventes e, talvez, uma cápsula de fuga que funcione.

Mais um suspiro.

A ala oeste da estação está completamente tomada por essas criaturas. Não sei o que são ao certo, mas até agora não vi nenhum humano que não estivesse morto ou transformado nesses seres.

Descobri que eles são sensíveis a variações altas de oxigênio. A gravidade artificial aparentemente não os afeta, o que não é bom, caso eu tenha que enfrentá-los. Preferem se esconder em locais escuros e tem medo, ao que parece, de fogo. Infelizmente não posso me dar ao luxo de fazer fogo aqui, já que as reservas de oxigênio são poucas.

Eles não são todos iguais. Alguns tem quatro braços, alguns são extremamente grandes e fortes, alguns crescem como fungos e suas "raízes" se estendem pelas paredes, alguns são pequenos e ficam grudados nos painéis das portas, como carrapatos gigantes e geneticamente modificados, sugando a energia. Tive de matar cinco desses até chegar à área de residência geral. Infelizmente eles não são fáceis de matar. Quando ameaçados, liberam uma grande quantidade de energia pelas três bocas. Felizmente são sensíveis à luminosidade das luzes de emergência. Mas é sempre muito difícil religar a energia delas enquanto me defendo desses seres estranhos.

Minha perna ainda dói e tenho dificuldade de me mover, mesmo após os antiinflamatórios que tomei. Creio que devo ir até a ala leste procurar suprimentos. Não consigo mais dormir direito pela dor, pela fome e pela adrenalina, mesmo que o lugar onde eu durma esteja estranhamente seguro até agora.

A maioria dos sistemas está danificado e, até agora, na ala oeste, só o laboratório da seção russa está funcionando, mesmo que precariamente. Há tecnologia que funciona aqui, mas a energia está inconstante e, além disso, não sei russo fluentemente para entender como mexer nas configurações. Talvez eu soubesse se eu não fosse mais que a "assistente" da doutora Nancy. Bem, isso não importa agora.

Chiado. Alerta. Silêncio. Respiração ofegante.

O único problema são meus, ahn, "companheiros de quarto". Descobri que gás carbônico faz com que esses seres parecidos com fungos monstruosos fiquem desacordados ou dormentes. Eles já não se mostram ativos até serem tocados. Isso é bom, porque agora eles são uma espécie de tranca especial. Tive uma péssima experiência noite passada achando que o painel das portas as manteriam fechadas, mas parece que é a energia que as mantém trancadas.

Infelizmente os "fungícos" ainda sugam a energia, mesmo que eu não os toque. E demora pelo menos uma hora até que a concentração de gás carbônico seja suficiente para deixá-los dormentes, fazendo-os parar de sugar energia. Até lá, algo pode já ter entrado. Eu descobri isso do pior jeito ontem. Sobrevivi por pouco.

Silêncio.
Sons de garras arranhando o metal. Silêncio novamente.
Tensão no ar.
Som agudo abafado.
Silêncio.
Som de garras se distanciando. Respiração pesada.

Tenho que desligar. A luz e o som atraem os "humanos mutantes". Como ainda não descobri uma forma de curar esse machucado na minha perna, não quero chegar perto de suas garras tão cedo.

Respiração ofegante.

Infelizmente o ar já está ficando saturado nessa ala. Quando eu acordar, irei sair daqui e tentar passar para a ala leste. Espero que eu consiga sair daqui viva. Então...

Guincho baixo.

Acho melhor eu ir dormir. Não quero acabar com minha bateria.

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E foi isso, pessoal! Capítulo curto, mas espero que tenham gostado.
Vou tentar postar o próximo assim que der. Obrigada por ler! 😘

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Contágio: O terror no espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora