Diário de bordo 100520

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Click. Respiração profunda.

Eu não vou desistir.

Preciso gravar isso para ficar repassando para mim mesma a todo momento em que eu estiver pensando em me jogar ao desespero como agora.

Suspiro.

Os planos deram errado. Muito errado.

Sabe, eu tinha um instinto. Um sexto sentido, mais ou menos. Eu acreditava que havia uma pesquisa na parte noroeste que teria todas as informações sobre a tenebris. E obviamente eu estava certa. Havia algo lá. Eu sabia porque... Já tinha visto os arquivos confidenciais muito antes de Primux cair nas mãos desses seres. Até o momento, eu não me lembrava disso. Tudo o que eu tinha era uma vaga intuição, mas, graças ao veneno de um espécime mutante, eu recuperei parte das minhas memórias.

Suspiro.

Eu era uma espiã dos Estados Unidos do Norte. Minha função era averiguar a movimentação estranha na Ala Noroeste agindo como infiltrada em Primux. Achávamos que era só algo sobre um projeto secreto de armas genéticas, mas logo piorou. Eu cavei demais e achei coisas piores, tão irreais que pareciam vindas de livros de ficção. Experimentos humanos, sequestros, novas formas de tortura e de obter confissões, arquivos confidenciais sobre conspirações contra governos... Eram preparações para uma guerra como jamais aconteceu.

Eu soube na hora que estava cavando meu túmulo se não saísse antes da bomba que tudo isso era explodir. Por isso tentei contatar a Terra, avisar meus superiores.

Infelizmente era tarde demais. A guerra já tinha começado lá e estávamos a anos-luz dos reforços e de ajuda para um motim. Isso já faz muito tempo, então provavelmente nem a Terra é um lugar seguro agora.

Suspiro.

Não posso contar isso para os outros. Vai acabar com a esperança deles de fugir daqui.

Tosse.

A água potável está acabando e mal temos comida para todos. Lance diz que não precisa, mas eu sei do seu real estado. Apesar de tudo, ele ainda é um humano assim como nós. Se continuarmos assim, vamos todos morrer, se não pelos monstros, pela desnutrição e pela desidratação. Temos que voltar ao plano B.

Suspiro.

Eu não queria dizer antes, mas há outro motivo para eu querer tanto o veneno do espécime 16.

A verdade é que eu sei a real fraqueza da tenebris.

Quer dizer, eu sei que ela está em algum lugar das minhas memórias. Enquanto eu pegava informações, me passei pela doutora Nancy em uma das reuniões secretas dela. Foi difícil, mas sei que consegui manter meu disfarce. Ninguém suspeitou. Eu tive então o acesso completo a todas as informações sobre a tenebris e... Talvez eu entenda agora o que o doutor Elliot estava tentando me dizer antes de morrer.

Eu tinha as informações o tempo todo...

Suspiro.

Mas agora não posso mais acessá-las.

Rangidos.

Depois que eu, Lance e Mira voltamos da Ala Leste praticamente vivos, apesar da minha terrível e inflamada lesão no pescoço, não encontramos Ryan no esconderijo. Isso seria preocupante, mas ele deixou um aviso de que estava na Seção das Cápsulas, verificando algo. Aquela Ala estava segura, então não nos preocupamos. Mira e eu fomos ver as informações que ela tinha baixado. Infelizmente - e eu tinha a alertado sobre essa possibilidade - ela não conseguiu copiar tudo, então ficamos sem ter as confirmações de que precisávamos.

Foi frustrante. Lance não falou nada o tempo todo, mas isso não impediu Mira de ficar fazendo perguntas sobre o DEP, Dispositivo de Eletroparalisia. Ela estava bem interessada nesse objeto. Aproveitei que estava sozinha para gravar o que houve e aqui estou eu agora, sozinha no escuro.

Minhas gengivas, minhas articulações, minha cabeça, meus machucados, todo o meu corpo dói. Estou agora trocando curativos e colocando remédio enquanto posso nesse "banheiro" da estação... Ah, como eu sinto falta dos banheiros antigos da Terra. Como será que estão as coisas por lá?

Gemido.

Minha garganta dói também e minha pele coça muito, mas pelo menos sinto algum alívio quando passo esse remédio obsoleto. Não temos espelhos por perto, então não sei como está minha aparência há dias. Provavelmente estou com uma cara péssima, um ninho de rato no lugar do cabelo e com muito mau hálito. Mas não é como se pudéssemos "abrir a janela" para receber ar, então todos fingimos ignorar os problemas de higiene uns dos outros e só... Focamos em não morrer.

Grunhido.

Eu estou com fome. A comida que temos mal dá para todos ou para manter a saúde de uma pessoa. Estou fraca. Receio que nosso "poder de resistência" diminui a cada dia por causa disso.

Quanto ao tempo, se não fosse pelos computadores que fazem atualizações da análise de danos a todo instante, eu nem saberia quanto tempo temos. No ritmo atual de consumo de oxigênio e liberação de gás carbônico, temos aproximadamente treze dias e meio antes de ficarmos de fato inconscientes. Saber disso me assusta um pouco, mas, como eu disse antes, não posso desistir! Minha filha está na Terra e nem sabe que a mãe está viva. Preciso voltar para ela e ver se está bem. Pelas estrelas, espero que a guerra não tenha chegado em nosso país. Tomara que Charles tenha deixado Vitória protegida.

Tosse excessiva.

Acho que já extrapolei os limites da minha garganta ressecada, então vou finalizar a gravação aqui.

Então saiba, Alice do futuro, que não é para você desistir, não importa quantas vezes os planos deram errado. A única forma de não haver mais opções é morrendo e isso nós não queremos. Vamos ver a Vitória de novo.

Click.
Gravação salva.

Contágio: O terror no espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora