Iminência

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A cabeça de Alice pendia levemente. Ela estava quase cochilando com a demora. Após uma longa batalha interna entre sucumbir à ansiedade ou ao sono, o cansaço ganhou. Uma fraqueza inexplicável percorria o seu corpo com o poder da adrenalina indo embora e tudo o que ela queria era um bom chá para gripe e ficar enrolada no lençol assistindo filmes em casa. Ah, como isso seria bom...

— Consegui! - bradou Ryan, saindo da cápsula e despertando a cientista de seu começo de sonho. - Consegui fazer funcionar!

— Ai, minha nossa! Você conseguiu mesmo?! - exclamou Alice, extasiada.

Um leve tremor acometeu o ambiente.

— Vamos antes que tudo piore! - disse Ryan, entrando na cápsula.

Sem esperar segundo aviso, Alice entrou no módulo também. Geralmente quando tudo estava dando certo, Primux dava um jeito de piorar a situação.

A porta se fechou, com uma tranca hermética que bloqueava qualquer tentativa de abertura seguida. Tudo que iam levar já devia estar no módulo. Agora era definitivo. Eles iam sair daquela estação espacial. Ryan segurava o tablet, criando a rota mais para a Terra. Alice apertava o gravador em suas mãos, ansiosa.

— Finalmente vamos embora daqui! - comemorou Ryan, precocemente.

Os portões embaixo da cápsula se abrem e a pequena nave começa a sair lentamente.

— Temos que ir lentamente porque não sei se o meu conserto na bateria pode aguentar. - explicou Ryan, fazendo movimentos suaves com seu dedo na tela do tablet. - Assim pode ser melhor, porque vou ser bem cuidadoso...

Um baque. O módulo tinha batido nas paredes.

— Ops. - murmurou Ryan. - Isso é mais difícil do que eu pensei. Talvez fosse melhor ter feito a rota antes de entrar...

— Tudo bem, Ryan, você consegue. - disse Alice, se agarrando ao cinto de segurança com força. - Só... Só fique calmo ou nós vamos morrer! - exclamou a mulher, sucumbindo parcialmente ao desespero.

— Sem pressão, não é? - disse Ryan, de olhos na tela. - Com cuidado e...

Outro baque.

— Tudo bem. Vai ficar tudo bem...

Ele inclinou um pouco seu dedo. Do lado de fora, o módulo saía praticamente ileso do hangar. O espaço se estendia na frente deles, milhares de pontos brilhantes numa manta escura. No centro de toda a paisagem, uma imensa esfera azul cheia de manchas verdes, marrons e brancas. Alice arfou, admirada. Terra. Casa. Estava tão perto.

Outro baque. Do lado de fora, um pedaço de antena tinha acertado o casco. O engenheiro gemeu. Estavam chegando à pior parte, porque toneladas de lixo orbitavam o planeta e se tornavam pequenas ameaças.

— Já estamos quase nos afastando... - disse Ryan, começando a suar com o estresse. - Nenhum triângulo vermelho no painel... Isso é bom.

Ele respirou ruidosamente, tentando manter a nave reta.

— Não comemore. Ainda não passamos da "zona de lixo". - avisou Alice, olhando pela janela de vidro com preocupação.

Lá fora, vários fragmentos de metal e entulho se chocavam contra o módulo como uma piscina de bolinhas gigante e fatal. Os baques ficaram maiores e mais frequentes e vários triângulos vermelhos começaram a aparecer na tela do painel. Ryan rangeu os dentes.

— Droga. - murmurou.

As imagens no painel começaram a piscar e a falhar, como se sofressem tilts. Ryan tentava apertar os botões, mas os controles não obedeciam.

— Droga, droga... - resmungava ele.

— Ryan, o que está acontecendo? - perguntou Alice, ficando assustada.

— Eu não sei! Os controles não me obedecem mais! É como se o sinal estivesse sofrendo interferência!

Alice arregalou os olhos.

A cápsula então parou e começou a fazer o trajeto contrário, de volta para Primux.

— O quê?! Não, não, não, não... - Ryan começou a bater no tablet. - Funciona, porcaria!

De repente a cápsula adquiriu velocidade e passou pela abertura do hangar, voltando para seu ponto de partida. A luz do painel se apagou, deixando Alice e Ryan no escuro.

— Mas que porcaria! - gritou Ryan, sentando no chão e cobrindo a cabeça com as mãos, desesperado.

A porta se abriu sozinha e Alice olhou para o engenheiro com pena. Ela tinha ideia do que podia ter acontecido. Talvez a sala de comando não estivesse tão vazia quanto parecia e, se os humanos quisessem fugir, precisariam antes anular a ação dessa presença indesejada.

Alice saiu e se sentou na seção da plataforma. Se encostou na divisória e fechou os olhos. Precisava pensar em algo para escapar de seu carcereiro invisível. Pegou o tablet e olhou as configurações de recursos. Deu uma risada triste.

— Temos só mais 3 horas e meia. - disse ela. - Acho que... Estamos ficando sem tempo.

Ryan não respondeu nada. Continuou dentro do módulo. Depois de alguns segundos de xingamentos contra as máquinas e a tecnologia, ele se levantou em silêncio e foi para o painel. Pegou suas ferramentas deixadas na plataforma e voltou para o conserto.

Ele acreditava realmente que a culpa era sua, então resolveu ir arrumar o problema logo. Com cuidado, desmontou o painel e retirou a bateria danificada. Analisou o sistema elétrico, em busca de danos que pudessem justificar os problemas técnicos que tiveram em sua fuga.

Enquanto isso, Alice pesquisava no tablet sobre as condições dos cabos de transmissão de calor e do sistema de aquecimento geral de Primux. As informações não eram muito animadoras. Tudo estava em péssimo estado. Alice suspirou. Tinha que pensar em algo melhor. Mas o quê? Simplesmente não havia mais tempo para tentar outra alternativa, falhar e tentar de novo. Teria que ser algo certeiro, algo que ela sabia que funcionaria.

De repente sua visão embaçou.

Ela ficou trêmula e se apoiou completamente na parede.

— Alice, preciso ir para o esconderijo e... - ele notou o estado dela e correu, preocupado. - Minha nossa, você está muito pálida!

Ryan se aproximou e tocou em sua testa.

— Você está tão gelada. Acho que sei o que é. Glicemia baixa. Minha mãe tinha muito problema com isso. - ele pegou nos braços dela e a ajudou a caminhar. - Vamos. Preciso voltar para o esconderijo. Acho que descobri o problema da bateria.

Ele a ajudou a chegar até o esconderijo. Lá se sentaram e almoçaram as duas últimas latas de pêssego. Alice comeu devagar, sentindo suas forças voltando. Ryan ficou olhando o objeto em formato de paralelepípedo com uma chave de fenda muito pequena.

— Que estranho. Não tem nada de errado com ela. Exceto o pequeno curto circuito de antes, não tem nada de errado aqui. - ele colocou a mão na boca, pensativa. - Acho que vou tentar achar outra.

— Vou com você... - disse Alice, se levantando com dificuldade.

— Não. Você vai ficar aí. - Ryan disse rapidamente. - Não me leve a mal, mas, Alice, de nós dois, você está muito mal. Precisa descansar. Eu volto logo. Não vou pra muito longe.

Ryan sorriu. Alice voltou a se encostar na parede.

— Não demore. - sussurrou ela, fraca.

Ryan acenou com a cabeça e saiu do esconderijo com a bateria e suas ferramentas. Alice olhou para o teto. Sua casa estava bem perto, mas ela não poderia sair, porque obviamente o ser continuava à solta e impediria o movimento da cápsula de fuga. Ela precisaria neutralizá-lo antes.

Se levantou com dificuldade.

Tinha tido uma ideia.

Contágio: O terror no espaçoOnde histórias criam vida. Descubra agora